Histórias da Vida Consagrada

‘Um pouco da história da minha vocação’, é o que a Irmã Marina Sofia, com 28 anos de idade, propõe ao longo deste texto no Ano da Vida Consagrada e depois de mais um passo importante na sua entrega e serviço.

No dia 7 de dezembro fez a sua profissão perpétua, disse o sim definitivo no Mosteiro (de clausura) de Santa Clara, em Monte Real, Diocese de Leiria-Fátima, de uma vocação que nasceu há mais de uma década e com a ajuda da internet.

Sou natural da paróquia do Milharado, Vigararia de Mafra, patriarcado de Lisboa. A minha história começa com o amor e o casamento dos meus pais. Desse amor Deus fez surgir 4 filhos, dos quais eu fui a primeira. A minha família é de raízes cristãs. Nasci no dia 22 de agosto de 1986 – dia de Nossa Senhora Rainha do Mundo – e fui baptizada no dia 1 de Fevereiro de 1987. Dois pormenores que eu hoje vejo como sinal de Deus são o ter sido baptizada nas vésperas do dia da festa Apresentação do Senhor e, pelo facto de a pia baptismal se encontrar no fundo da Igreja Matriz, e o baptismo ter sido sobre o Altar. Hoje considero uma coincidência interessante o facto de o sacerdote que me baptizou ser o recentemente sagrado Dom João Marcos.

A minha mãe esforçou-se por me transmitir a fé que ela mesma recebera de seus pais. O meu pai é um homem de trabalho que procurou transmitir-nos a honestidade a verdade, a ajuda aos outros, não só a mim como aos meus dois irmãos mais novos, a Cristina mais nova 5 anos e o Mário mais novo 6 anos. E o Francisco Xavier, mais novo do que eu 22 anos.

Lembro-me de que quando era pequena me ia esconder no quarto de minha mãe onde ela tem um pequeno altar com Nossa Senhora de Fátima, o Coração de Jesus, a Sagrada Família de Nazaré, a sua bíblia e uma edição dos documentos do Concílio Vaticano II. Não me recordo o que dizia ou pensava nesses momentos, mas sei que gostava de me demorar lá e acender uma vela que a minha mãe tinha junto de alguma das imagens. Também, quando o pequeno oratório com a Sagrada Família de Nazaré, que percorria as famílias da minha terra, chegava a minha casa, eu gostava de acender a lamparina de azeite e ficar a olhar para as imagens de Jesus, Maria e José.

Fiz a caminhada normal dos 10 anos de catequese, nos quais fui aprendendo a conhecer a Deus e também a Sua Mãe. Lembro-me que gostava muito de repetir sozinha a letra de uma música que na catequese cantávamos a Nossa Senhora: “Quero ser como tu, como tu Maria, como tu um dia, como tu Maria; quero levar Jesus, como tu Maria…; quero consagrar-me, como tu Maria…; quero dizer meu Sim, como tu Maria…”; embora não tivesse verdadeira consciência do significado destas palavras, nem da força que elas mais tarde teriam na minha decisão.

Fiz a minha primeira comunhão no dia 8 de Dezembro de 1995, e a profissão de fé no dia 11 de junho de 2000.

Ao mesmo tempo, prosseguiam os estudos e como qualquer jovem sonhava com várias profissões. Pensei em ser pintora ou escritora, mas tarde, no secundário, pensei dedicar-me à informática e à escrita.

A vocação religiosa nunca esteve seriamente no meu horizonte, mas recordo-me que um dia em que fui acompanhar o meu pai numa pequena viagem, quando ele me tentava convencer que não devia passar o tempo tão fechada em casa, mas devia sair mais vezes com as minhas amigas, eu lhe respondi que se eu fosse para freira ficaria fechada. Não sei porque lhe disse isso, pois eram vagos os meus conhecimentos de vida religiosa, mas lembro-me de o dizer, embora sem convicção. Mas na realidade eu era um pouco fechada, gostava de sair às vezes com as minhas amigas, mas não à noite nem a bares ou lugares muito movimentados.

Terminado o percurso de catequese fiz uma preparação específica para receber o Sacramento do Crisma entre os anos 2002 e 2004. Durante estes, tive momentos de querer desistir, perdi o interesse pelos encontros formativos, e pela participação na Eucaristia. Mas a minha mãe lutava para me não deixar desistir. Sei que foi o seu testemunho de oração, de perseverança na fé, por vê-la muitas vezes a rezar no seu quarto diante do pequeno altar que lá tem, que me ajudou a ultrapassar esta crise de fé.

E depois de um fim-de-semana de retiro, recebi o Sacramento do Crisma na vigília de Pentecostes de 2004.

Foi um momento de viragem na minha vida. Desde então, comecei a tentar compreender o que devia fazer da minha vida, pois eu já não queria abandonar a prática religiosa, como via tantos jovens da minha idade fazerem. Durante o ano seguinte fui auxiliar de catequese. Experiência muito gratificante por poder ajudar aquelas crianças a conhecer Jesus e a terem-n’O como seu melhor amigo.

Durante este tempo iam surgindo interrogações: o queria o Senhor de mim, da minha vida? Que caminho deveria eu seguir? E pedia a Deus que me iluminasse e me mostras- se a sua vontade. O casamento não me sorria muito. Nesta altura frequentava o 11º ano no curso tecnológico de informática e tinha algumas possibilidades de emprego através de conhecimentos do meu pai e trabalhei, em part-time num escritório de documentação.

Entretanto, no dia 5 de Junho de 2005, eu, meus pais e irmãos juntamente com a família da minha mãe, viemos a Fátima. Era uma viagem que costumávamos fazer quase todos os anos. Sinceramente estive quase para não vir, mas para não fazer a desfeita aos meus pais, vim. Foi aí que Deus respondeu às minhas interrogações. Chegamos ao santuário e enquanto esperávamos pela Eucaristia das 11 horas, fomos, por vontade dos meus avós, visitar o Santíssimo Sacramento. Eu nunca lá tinha estado. Havia poucos lugares vazios onde nos ajoelhar, por isso fui ajoelhar-me num dos lugares da frente que estava vago. Os meus pais ficaram ao fundo da capelinha. Foi nesse momento, quando vi a religiosa que se encontrava em adoração, que pressenti que o Senhor me convidava a segui-lO dessa mesma maneira, que me tornasse religiosa. Ninguém se apercebeu de nada, a não ser o meu Pai, que mais tarde confessou que se havia apercebido que alguma coisa tinha acontecido comigo mas não compreendia o quê. Recordo-me que durante e Eucaristia eu me interrogava se teria compreendido bem ou se seria ilusão minha. Acho que queria convencer-me de que era apenas ilusão da minha cabeça. No entanto o meu coração permaneceu inquieto o resto do dia. No dia seguinte, assim que me foi possível, sem ninguém suspeitar, procurei na internet descobrir alguma coisa sobre a vida religiosa, pois os meus conhecimentos eram muito vagos. Encontrei o sítio das Irmãs Clarissas de Monte Real e escrevi-lhes dizendo que desejava tornar-me religiosa. Elas convidaram-me a vir conhecê-la e, terminadas a aulas, eu vim.

Foi uma semana muito bela. Senti fortemente que era aqui que o Senhor me queria e me esperava. Fiquei marcada pela alegria das irmãs, pela paz que se sente e se respira aqui no mosteiro, e principalmente pela Adoração ao Santíssimo Sacramento. Por isso, não demorei muito, ingressei um mês depois, a 18 de Julho de 2005.

Mas a partida não foi fácil, como é normal. Eu nunca tinha estado longe dos meus pais e da minha família, além disso sabia que seria difícil para eles aceitar a minha decisão, pois era algo de todo inesperado. Ao meu pai custou-lhe muito ver-me partir por eu ser a mais velha, no entanto ele nunca colocou entraves à minha decisão, pelo contrário, quis vir trazer-me juntamente com a minha família. Mas, antes de virmos, o meu pai levou-nos à Ericeira pois ele sabia que eu gostava muito da praia e de contemplara o oceano. Intuitivamente eu comparava a imensidade do oceano com a imensidade do amor de Deus por todos os seus filhos. Foi um belo e inesquecível presente do meu pai.

Depois de entrar, a Comunidade enviou-me a terminar os estudos do 12º ano. Eu aceitei ir, mas quis ir com o uniforme de postulante, e não tive nenhum problema, fui bem recebida entre os colegas e professores. Terminado o ano lectivo, prosseguiu a formação e, no dia 8 de Dezembro de 2006, tomei o Santo Hábito da Ordem de Santa Clara.

A formação prosseguiu tendo em vista o aprofundamento da vocação e da vontade de Deus, o conhecimento de mim mesma, da Comunidade, da regra e constituições, e de tudo o que faz parte da nossa vida.

Durante o segundo ano de noviciado, Deus concedeu-me uma graça que eu muito havia desejado ainda antes de entrar no Mosteiro. No dia 4 de Fevereiro de 2008 nasceu o meu irmão mais novo, o Francisco Xavier, nome escolhido por mim e pela minha irmã. Foi uma grande alegria para a minha família, foi um carinhoso presente de Deus para os meus pais, por terem aceitado dar-me ao Senhor.

No dia 11 de Agosto de 2009, Festa de Santa Clara, fiz a minha Profissão temporária, consciente que me entregava ao Senhor, mas não seria só por três anos. E a formação específica em ordem à profissão definitiva prosseguiu. No entanto o Senhor prova aqueles que ama.

Durante este tempo veio a provação. Uma forte tentação de largar o arado e voltar atrás, a dúvida de se seria realmente este o meu caminho, a falsa certeza de que eu não tinha capacidades para corresponder às exigências que a vida religiosa me punha, a falsa ilusão de que talvez fosse mais feliz no casamento. Foi um momento difícil em que muita vezes eu não me queria convencer de que era um momento de tentação, em que não queria ouvir a voz da razão. Cheguei mesmo a pedir para sair; marcou-se o dia e só faltava comunicar à minha família. Mas na véspera de isto acontecer, o Senhor voltou a inquietar o meu coração e segurou-me em Suas mãos, não me deixando partir. Foi o recomeçar de uma caminhada, no entanto a graça de Deus ia agindo silenciosamente em mim e me ajudava a deixar-me moldar pela vontade do oleiro. Ao longo desta caminhada por entre colinas escarpadas e vales tenebrosos, o Senhor ia-me mostrando também planícies verdejantes e esplendorosas: o testemunho de fidelidade e de perseverança de minhas Irmãs.

Por meio destes pequenos e grandes milagres que o Senhor fazia surgir à minha volta, Deus moldava a minha vontade ensinando-me a aceitar a Sua Vontade Santíssima, a compreender as graças que Ele ia derramando na minha vida e ajudando- me a deixá-lO fazer a Sua obra em mim. Assim foi possível redescobrir a beleza da vocação que me foi concedida e reaprender a vivê-la e a dar-me a Deus e aos outros. Percorrendo este caminho com o Senhor e a minha Comunidade, cheguei a mais uma etapa da minha vida, a minha Profissão Solene. Não é o fim, mas o início de uma caminhada de contínua vivência do Evangelho, de contínua busca do rosto do Senhor em todos os momentos da minha vida, não sem dificuldades, mas com a certeza da Sua presença na minha.

A minha alma transborda de alegria e acção de graça ao Senhor que me escolhe e chama a ser só Sua. O Seu amor todos os dia me prova que ainda hoje é possível ser-se feliz vivendo desprendida das coisas do mundo, vivendo com Deus e para Deus, levando Deus aos Homens e os Homens a Deus através da oração, do silencio, do sacrifício, de uma doação de amor a Deus e aos irmãos.

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