Por Jaime Bacharel
Há 24 anos visitei pela primeira vez a comunidade ecuménica de Taizé com um grupo de amigos da minha paróquia de Portalegre animados pelo professor de Religião e Moral.
Foram várias as coisas me causaram forte impressão.
Desde logo a beleza. Mesmo que não consiga ainda mergulhar na profundidade da Verdade e na imensidão do Bem, um jovem é sempre tocado pelo Belo. Em lugar nenhum como naquela colina da Borgonha me havia apercebido como a beleza pode ser caminho para Deus. A beleza dos cânticos, do altar e de toda a decoração da igreja, os arranjos do espaço exterior (principalmente os espaços de silêncio), a natureza que rodeia a colina, o aspecto cuidado e as faces serenas dos irmãos a entrar a conta gotas na oração ao som dos sinos, tudo parece ser pensado para criar beleza.
Em Taizé vive-se no dia-a-dia os valores do evangelho: a simplicidade (há pouco, mas parece que não falta nada), o espírito de fraternidade e entreajuda (todos trabalham para todos, ninguém parece querer mal a ninguém), a organização (nada parece ser deixado ao acaso) e, sobretudo, a unidade em Cristo (os irmãos de origem protestante e católica vivem em comunhão, tal como os milhares de jovens que semanalmente os visitam). Essa coerência é especialmente valorizada nos anos da adolescência.
Acima de tudo impressionou-me a adesão dos jovens a tudo o que os irmãos lhes propõem. Trabalham, ouvem as introduções bíblicas e participam nos encontros de grupos que lhes sucedem, vão às orações (três por dia) onde cantam e fazem dez minutos (!) de silêncio. E sobretudo, apesar da natureza rezingona da adolescência, todos parecem contentes.
Depois da oração da noite, era comum o Irmão Roger percorrer a Igreja onde os muitos jovens que continuavam a rezar podiam conversar um pouco com ele ou simplesmente pedir-lhe a bênção. Foi isso que procurei numa dessas primeiras noites em Taizé. Lembro-me de o olhar e de me deslumbrar pela paz que o azul cristalino dos seus olhos transmitia. Era ainda um deslumbramento superficial, próprio do entusiasmo adolescente. Mas marcou-me. Como me marcaram as “Cartas de Taizé”, que lia todos os anos quando repetia a minha peregrinação a Taizé e procurava entender melhor as origens, a base e o sentido da comunidade que aquele homem fundara. As palavras do Irmão Roger pareciam insistir sempre nas mesmas ideias e nas mesmas imagens: comunhão, confiança, perdão, luz, fonte, água viva…
“No mais fundo de ti podes pressentir uma presença, um desejo de comunhão, esse desejo é já o início da fé”.
“Quando te assaltam as dúvidas e a escuridão, lembra-te de que na mesma ferida onde submergem as incertezas angustiantes igualmente se elaboram as energias para amar”, “A dúvida, por vezes, é apenas o outro lado da fé”.
“A surpresa da presença de Jesus, o Ressuscitado, cria em ti uma morada de luz”.
“Se amar Deus implicasse o medo de um castigo, isso já não seria amar. Cristo não nos quer ébrios de culpabilidade mas cheios de perdão e confiança”.
“Das nossas feridas Deus faz nascer uma água viva. Em Deus o vale de lágrimas torna-se uma fonte”.
São ideias aparentemente simples, ideias de confiança no poder do amor de Deus perante o drama da fragilidade humana. Consoladoras mas que ao mesmo tempo incitam à conversão.
Mais tarde, quando o meu irmão David integrou a comunidade, conheci o irmão Roger mais de perto. Ele dava muita importância ao fortalecimento dos laços familiares dos irmãos, fazendo-nos sentir também, de algum modo, pertencentes à Comunidade.
Foi sentado ao lado dele que verifiquei o carinho e atenção que os seus irmãos lhe dedicavam. Foi de perto que me voltei a impressionar com aquele olhar frágil e doce e com as suas mãos fortes e que confirmei a sua bondade, a sua compaixão e sua confiança. Foi já como família que percebi como aquele homem era um visionário porque vivia confiado ao que o Espírito de Jesus Ressuscitado lhe soprava.
Com o passar do tempo fui encontrando mais e mais sentido, profundidade, vastidão e originalidade no seu pensamento. (A este propósito, no final de Agosto haverá em Taizé um colóquio sobre o contributodo irmão Roger para o pensamento teológico.)
Alguém me perguntava há tempos, a propósito da minha proximidade na adolescência à comunidade de Taizé: “E resultou?”. A fé nunca é um resultado, é antes uma busca permanente. Resultou, na medida em que essa busca inquieta permanece.
Antes de ser também família, a comunidade de Taizé foi para mim, entre outros, um contexto comunitário propício ao encontro pessoal com Jesus. Esse é o ponto crucial da minha vida. Não um momento e um lugar fixos no tempo e no espaço, mas toda a vida como um itinerário de encontro e conversão a Jesus, “Amour de tout amour”.
Jaime Bacharel
2 de Julho de 2015