Quem se interessa por pastoral juvenil já com alguma experiência no terreno, sabe certamente o que aconteceu, a nível mundial, no âmbito da educação dos jovens para a fé.

Vínhamos de situações de seguras, bem estruturadas, fortemente propositivas. No fundo, o problema do que dizer e do que fazer… não existia. Sabíamos bem quase tudo e as dificuldades eram sempre atribuídas aos destinatários. Era culpa dos jovens e da sua fragilidade constitutiva ou era culpa dos tempos, particularmente difíceis, ou de algum sujeito pouco empenhado… se as coisas não corriam bem. Nós, “responsáveis”, tínhamos feito tudo o possível. Sentíamo-nos bastante satisfeitos.

Depois, tudo entrou em crise, como por uma rajada repentina de vento que desarruma as folhas bem ordenadas em cima da mesa de trabalho.
Tentámos tanta coisa, em todos os sentidos. Muitas vezes, tínhamos a bênção dos nossos responsáveis oficiais. Por vezes, eram mais as preocupações do que os apoios.

Pouco a pouco, muitas opções fundamentais consolidaram-se. Tornaram-se uma espécie de referência obrigatória para quem considerava irrenunciáveis determinadas linhas de ação, no plano teológico e no educativo. Mesmo os pequenos gestos e as intuições de um momento feliz encontravam acolhimento e apoio nestas motivações de fundo.

Às primeiras gerações, que tinham conseguido um quadro renovado, no esforço de uma espécie de regeneração cultural e prática, sucederam-se gerações novas. Estas ignoravam o caminho anterior. Sentiam-se facilmente fascinadas por modos de dizer e de fazer. Aprofundando um pouco, era fácil dar-se conta de como era frágil a fundamentação e a visão global de certos modos de fazer. A esta constatação deve acrescentar-se o subjetivismo generalizado, mesmo cultural, e o difícil reconhecimento do dom precioso de outras experiências… virtudes típicas desta nossa época cultural.​

A época atual tem os seus problemas, há tensões, há modos diferentes de enfrentar a mesma questão. Mas inegavelmente a atenção atual é grande e as realizações preciosas. Ninguém pode olhar com nostalgia para o passado, como se então as coisas funcionassem melhor do que hoje.

Estamos a pensar e a projetar a pastoral juvenil neste clima cultural. Devemos conhecê-lo e valorizá-lo para não sermos negativamente influenciados por ele e sobretudo para projetar sabiamente. Sei que estou a contar a experiência da Itália, mas tenho a impressão que será facilmente generalizável.

Tudo isto é belo e torna feliz a tarefa de quem trabalha na pastoral juvenil.

Uma perspetiva

A primeira tarefa, no meu entender, consiste na escolha de uma perspetiva. Cada instituição, cada grupo, cada agente pastoral é chamado a escolher a perspetiva em que colocar-se: para a busca dos problemas a enfrentar e para decidir quais os recursos a utilizar e como intervir para resolver os problemas.

Esta primeira tarefa parece mais teórica do que prática. Com tanta coisa a fazer, pode dar a impressão de tempo perdido. Mas considero-a indispensável e urgente (tudo menos tempo perdido) e decididamente prática (mesmo que de momento estejam… suspensas todas atividades).

Faço uma proposta, sugerindo a perspetiva em que me reconheço e que, nestes longos anos de serviço à pastoral juvenil, pus como referência fundamental.

De uma penada, chamo-lhe a de Pedro que responde às expetativas do coxo, encontrado à Porta Formosa do Templo, narrando-lhe a história de Jesus, especialista na cura dos coxos e… o coxo fica curado e acredita em Jesus.

Explico-me.

Os “Atos dos Apóstolos” (cap. 3 e 4) narram o que Pedro combinou quando viu a mão estendida de um pobre paralítico à Porta Formosa do Templo e a sua defesa diante do Sinédrio, quando lhe foi notificado o que fez, sobretudo por causa da perturbação da ordem pública, causada com a sua intervenção. Declara, sem incertezas, que o coxo anda para que todos saibam que Jesus é o único nome em que é possível ter a vida. Proclama-o diante daqueles que o tinham matado em nome de Deus, recordando que Deus o ressuscitou, para mostrar com os factos onde se situa o seu projeto.

Ao coxo que pede esmola, Pedro fala de Jesus. E o coxo fica curado. Pedro não lhe dá os poucos trocos que o coxo esperava para chegar à noite. Dá-lhe muito mais: o encontro com Jesus e a cura. O coxo ficou felicíssimo… por não ter sido atendido. No encontro com Jesus, anunciado por Pedro, a sua vida mudou. Nem ele nem Pedro ficaram prisioneiros da rede apertada de pergunta e resposta.
Meditando na experiência de Pedro, relanço uma convicção, que justifica paixão e compromisso: o anúncio de Jesus Cristo é o grande gesto de amor que podemos fazer em relação aos nossos amigos, para lhes dar vida, consolidar a esperança, convidar a uma responsabilidade radical pela causa do reino de Deus. Nunca pode tornar-se um processo de proselitismo nem algo de semelhante à necessidade de manifestar a qualidade da equipa de que somos adeptos.

Parece-me esta hoje a perspetiva a redescobrir, aprofundar e relançar.

Três tarefas urgentes

A história de Pedro fornece a perspetiva a adotar para construir um bom projeto de pastoral juvenil.

Não resolve nenhum problema nem nos dispensa do esforço de pensar, projetar, trabalhar. Se for tomada a sério, torna-se porém um estímulo inquietante para um trabalho sério… a ponto de tirar o sono e a respiração.

Desta perspetiva coloco três tarefas urgentes. Confio-as à paixão inteligente de quem me escuta.

São estas as três tarefas decisivas para um projeto de pastoral juvenil:

  1. Caraterizar bem os desafios com os quais somos chamados a confrontar-nos. Com a escolha da perspetiva proposta: descobrir onde e como coxeiam os jovens, para não errar a terapia tendo errado o diagnóstico;
  2. selecionar os recursos de que dispomos (e são ainda tantos) para os utilizar num serviço educativo preciso e concreto;
  3. Reafirmar a urgência da evangelização (nova no ardor e na qualidade) para devolver ao Evangelho o dom de ser ainda uma “bela notícia” para a vida e para a esperança de todos, capaz de fazer andar os coxos.
  4. No desenvolvimento destas três tarefas urgentes nasce e articula-se toda a pastoral juvenil: o serviço da comunidade eclesial aos jovens para lhes dar vida e esperança.

Onde coxeiam os jovens

É indispensável, antes de tudo, identificar os “verdadeiros”problemas.
Muitas vezes, os problemas que nos preocupam são verdadeiros e reais.
Outras vezes, infelizmente, são falsos problemas.

Podem ser falsos por diversas razões: ou porque os inventámos mesmo, talvez por excesso de zelo; ou porque representam uma coisa que não tem raízes sólidas; ou porque são apenas de um grupo de pessoas, a contas com os seus próprios problemas de modo a não se aperceber de outros gravíssimos que atravessam a existência dos demais.

Recordei que Pedro falou de Jesus ao coxo… narrando certamente das muitas intervenções através das quais Jesus restituiu vida às pernas deformadas dos coxos que encontrou. Outras indicações… teriam deixado indiferente o coxo e talvez agastado com este fulano que em vez de lhe dar a esmola pedida, lhe rouba os clientes com as suas conversas, devotas e inúteis.

Partimos, portanto, da identificação, séria e motivada, donde “coxeiam” os jovens: isto é, dos desafios com que a nossa pastoral juvenil é chamada a confrontar-se.

Convido a repensar-nos precisamente desta perspetiva.

Partimos dos “desafios”

Para captar os verdadeiros problemas, a primeira coisa a pôr em campo consiste na decisão de identificar de forma reflexa e crítica quais são em concreto as preocupações prioritárias e específicas. Chamo a esta operação “a definição dos desafios”.
Falar de “desafio” é uma escolha precisa de campo. Situa-nos na realidade quotidiana com uma atitude que não é resignada nem sequer apenas crítica e reativa.

Desafio significa, na realidade, uma interpretação reflexa da experiência cultural atual para captar os sinais de novidade presentes e os dados que de facto conduzem ao projeto de vida difundido e geralmente consolidado. O “desafio” é, por consequência, um contributo e sobretudo uma provocação que oferece contributos preciosos, mesmo quando exige uma intervenção corajosa.

A opção de identificar os desafios para selecionar e organizar os recursos disponíveis é uma condição fundamental – ao mesmo tempo teológica e antropológica – para assegurar um serviço qualificado.

Não tenho competência para indicar quais são os desafios com os quais confrontar-se. Já o fizestes. E admiro as conclusões.
Sugiro algumas indicações gerais, que permitem avaliar também as indicações concretas.

Num encontro com a comunidade académica da Universidade de Braga, há alguns meses, mesmo aqui em Portugal, sugeri uma interpretação minha de síntese dos problemas que atravessam o ser jovem neste tempo e que, portanto, provocam violentamente a pastoral juvenil.

A busca de sentido e de esperança

Interpretando, com amor lúcido, a experiência juvenil atual, afirmo a presença uma grande busca de sentido: aquilo que todos os jovens buscam, mesmo nas expressões mais disparatadas, diz respeito ao sentido e à esperança, razões de vida e de futuro e a tranquilidade que conforta qualquer pequena conquista quotidiana. Constato, porém, que esta busca de sentido é cansativa e muitas vezes perturbada. Significa que não corresponde aos nossos parâmetros espontâneos e exige, pelo menos em muitos casos, uma corajosa aposta educativa para a definir assim.
Não me convence a afirmação de que os jovens do nosso tempo andam em busca de experiências religiosas, de espiritualidade, de propostas fortes e empenhativas. Parece-me uma avaliação parcial, que privilegia algumas manifestações ou tende a generalizar a partir de alguns sujeitos privilegiados. Talvez pese demasiado o mundo das nossas expetativas ou a nostalgia dos felizes regressos.

Certamente há muitos jovens corajosamente empenhados na busca de uma experiência religiosa forte. Eles fazem parte daqueles jovens felizardos que foram ajudados a superar as tensões do tempo que estamos a viver. Esta constatação representa uma preciosa indicação de perspetiva pastoral. Muitas vezes, porém, é fácil constatar que também estes jovens são marcados pelas lógicas culturais do nosso tempo. Vivem em busca de experiências religiosas segundo modalidades típicas de hoje: subjetivismo e desencanto, disponibilidade e autonomia, separação entre confissão de fé e opções éticas.

A vasta crise atual e a inquieta busca juvenil interpelam-nos, a nós adultos, e sobretudo a nós educadores da fé àquele nível de profundidade competente e exigente, em que possamos verdadeiramente radicar a reconquista de uma relação perdida.

Trata-se de um “grito”, forte, dirigido a nós adultos: um dom que não nos deixa tranquilos e que nos carrega violentamente de responsabilidades que certamente não podemos descarregar sobre outros e que, ao mesmo tempo, nos faz descobrir que é tempo de caminhar corajosamente juntos, compartilhando alegrias e inquietações.

Os velhos modelos já não funcionam. Percorrem de novo as estradas já andadas e aumentam o desconforto da orfandade. Alguns têm dificuldade em compreender. Os jovens pedem-nos, ao invés, que sejamos adultos novos, capazes de caminhar com eles e de compartilhar a busca e experiência do sentido e da esperança. No fundo… dão-nos um presente impensável: chamam-nos a ser, cada vez mais, pais e mães, sabendo gerar para o sentido e para a esperança.

Uma proposta de organização dos recursos

Sob a preciosa provocação dos desafios em ação (e da sua interpretação numa explícita perspetiva de fé) a comunidade eclesial, empenhada na pastoral juvenil, organiza os recursos de que dispõe.

A organização dos recursos comporta três operações urgentes e complementares:

  1. O inventário dos recursos de que se pode dispor
  2. A seleção para definir quais são mais úteis, relativamente ao controlo dos desafios e à sua resolução
  3. Uma nova organização, para proceder dentro de um projeto sério e bem elaborado.

Estas três tarefas são evidentemente confiadas à vossa competência e responsabilidade organizativa.
Realizo o serviço que me foi pedido sublinhando duas linhas prioritárias de ação. Representam, por um lado, a constatação feliz de recursos que as comunidades eclesiais possuem em abundância. Indicam, por outro, uma perspetiva prioritária em que investir concreta e quotidianamente estes recursos.

Sonho uma pastoral juvenil renovada, capaz de selecionar e organizar os recursos de que as comunidades ainda são ricas, em torno destas duas tarefas, a reconhecer, assumir, realizar de forma integrada e complementar:

  1. A redescoberta do serviço educativo, numa época de emergência educativa, para devolver sentido e busca de sentido (onde ela estivesse apagada), paixão pela vida e atenção a uma madura qualidade de vida (onde a qualidade de vida estivesse demasiado afastada de uma “vida boa segundo o Evangelho”);
  2. Um modelo de evangelização, no qual formular a solicitação difundida de uma “nova evangelização”: para devolver ao Evangelho a força de bela notícia para a vida e para a esperança.

O serviço educativo: para dar sentido e esperança

Temos discutido muito, mesmo no âmbito da pastoral juvenil, sobre a relação entre promoção humana e evangelização. Ficámos inegavelmente enriquecidos. Mas creio que seria tempo perdido retomar hoje a discussão.

Digo-o, uma vez mais, da perspetiva global escolhida: Pedro fala explicitamente de Jesus ao coxo. A sua proposta é experimentada pelo coxo como interessante e verdadeira, quando se deu conta que a vida lhe estava a voltar às pernas deformadas.

Como se vê, há um modo todo original de conjugar evangelização e promoção humana: o anúncio de Jesus, realizado de certo modo, representa em concreto uma fundamental intervenção de “promoção de vida”, se procede num movimento todo original:

  • interpreta em profundidade a qualidade da busca. Não é de esmola (como parecia pedir o coxo), mas busca de qualidade de vida (como interpreta Pedro e como ele próprio propõe);
  • a resposta consiste antes de tudo na reafirmação e relançamento da educação, interpretada como reconstrução da relação pessoal;
  • o serviço à reconstrução de uma nova e urgente qualidade de vida: a captar e a reafirmar numa época de pluralismo e de subjetivismo.

Faço alguns acenos sobre cada um destes três temas.

A situação de emergência educativa

Muita gente considera este nosso tempo caraterizado por um estado generalizado de “emergência educativa”.

O problema deve ser bem compreendido.

Aceitamos habitualmente as razões de sentido e de esperança, as perspetivas de futuro e os convites à responsabilidade no presente, através daquela relação que situa em acolhimento recíproco as pessoas, sobretudo assegura o diálogo dos jovens com as gerações que os precederam (pais, terceira idade, educadores). Estamos em emergência quando se quebra esta relação e já não sabemos onde reencontrar as razões de viver e de esperar.

Cito algumas anotações interessantes de um documento dos Bispos italianos precisamente sobre este tema: “Considerando as transformações ocorridas na sociedade, alguns aspetos, relevantes do ponto de vista antropológico, influenciam de modo particular no processo educativo: o eclipse do sentido de Deus e o ofuscar-se da dimensão da interioridade, a incerta formação da identidade pessoal num contexto plural e fragmentado, as dificuldades de diálogo entre as gerações, a separação entre inteligência e afetividade. Trata-se de nós críticos que são compreendidos e enfrentados sem medo, aceitando o desafio de os transformar noutras tantas oportunidades educativas. As pessoas têm cada vez mais dificuldade em dar um sentido profundo à existência. São sintomas disso a desorientação, o fechar-se sobre si mesmo e o narcisismo, o desejo insaciável de posse e de consumo, a busca do sexo desligado da afetividade e do compromisso de vida, a ânsia e o medo, a incapacidade de esperar, o alastrar da infelicidade e da depressão. Isto reflete-se também na perda do significado autêntico do educar e da sua total necessidade. O mito do homem “que se faz por si” acaba por separar a pessoa das suas próprias raízes e dos outros, tornando-a por fim pouco amante também de si mesma e da vida. […] Somos assim levados às raízes da “emergência educativa”, cujo ponto crucial se encontra na superação daquela falsa ideia de autonomia que induz o homem a conceber-se como um “eu” completo em si mesmo, lá onde, ao invés, ele se torna eu na relação com o tu e com o nós” (Educare alla vita buona del Vangelo, 9).

Esta situação condiciona fortemente o ser jovem. Existe uma atitude comum que atravessa a juventude. Chamo-lhe uma profunda, generalizada situação de “orfandade”. É órfão quem está privado do pai ou da mãe. Em muitas nações, devastadas pela guerra, são verdadeiramente numerosos os jovens sem pais. Entre nós, felizmente, não é assim. Muitos jovens são órfãos, perdidos no deserto da vida quotidiana, porque há uma orfandade por excesso de pais. Muda até o número físico dos pais e das mães. Mas sobretudo estamos rodeados de propostas que fazem tudo para tomar o lugar dos nossos pais na pretensão de nos dar razões de futuro e de esperança. Mesmo para vender as coisas mais banais ou meramente funcionais, é chamada à colação a qualidade e o sentido da vida: alguém entra de forma violenta na nossa existência e pretende dizer-nos quem somos e como devemos viver.

Não podemos, todavia, viver sem pais e mães com autoridade e significativos. Nesta situação, o futuro torna-se incerto e a esperança entra em profunda crise. E assim da orfandade muitos tentam sair para o desespero ou para o descompromisso. As experiências fortes funcionam como nova experiência de paternidade.

A resposta: relançamento da educação

À emergência educativa damos remédio redescobrindo a via da educação… mas, ao mesmo tempo, reinventando-a, para uma cultura como é a atual e recuperando da cultura atual todos os contributos positivos de que esta é portadora.

Eis então a minha proposta: educar é instituir uma relação entre sujeitos diversos (felizes… por ser diferentes), através da qual eles partilham fragmentos reflexos e motivados de vida, para se transmitir reciprocamente aquela alegria de viver, aquela liberdade de esperar, aquela capacidade e responsabilidade de ser protagonistas da sua própria e da história dos outros, de que infelizmente estamos continuamente privados.

Para uma nova qualidade de vida

No centro da questão educativa está uma aposta antropológica: para que qualidade de vida orientar compromissos e responsabilidades?
Numa época como a nossa e em diálogo com os jovens do nosso tempo, repensei o centro de um projeto de pastoral juvenil em torno da categoria da “invocação”. Esta ajuda a abrir qualquer possível busca ao mistério e sugere a urgência de oferecer propostas que saibam depois abrir de par em par a busca mesma.

Antes de tudo, devo precisar o significado que atribuo ao termo “invocação”. Digo-o com uma imagem: os exercícios no trapézio que tantas vezes vimos na pista dos circos.

Neste exercício o atleta desprende-se do fio de segurança e lança-se no vazio. A certo ponto estende os braços para os braços seguros e robustos do amigo que dá voltas em ritmo com ele, pronto a segurá-lo.

O trapézio assemelha-se muito à nossa existência quotidiana. A experiência da invocação é o momento solene da espera: depois do «salto mortal», os dois braços levantam-se para alguém capaz de os acolher. No exercício do trapézio nada acontece por acaso. Tudo se resolve numa experiência de risco calculado e programado. Mas a suspensão entre morte e vida mantém-se: a vida abre-se à busca, carregada de esperança, de um sustentáculo capaz de fazer sair da morte. Esta é a invocação: um gesto de vida que busca razões de vida, porque quem o faz se sente imerso na morte.

A invocação representa, na minha hipótese antropológica, o nível mais intenso de experiência humana, aquele em que o homem se abre para fora de si.

A invocação é uma experiência de confim. É uma experiência pessoal, ligada à alegria e à dificuldade de existir, na liberdade e na responsabilidade, em busca das boas razões de cada decisão e opção importante. Ao mesmo tempo, ela é já experiência de transcendência, impelida para o mistério da existência.

É-o nos primeiros níveis de maturação. O homem “invocante” mostra-se disposto a entregar as razões mais profundas da sua fome de vida e de felicidade, mesmo os direitos sobre o exercício da sua própria liberdade, a alguém fora de si, que ainda não encontrou tematicamente, mas que implicitamente reconhece como capaz de satisfazer esta sua busca, de fundamentar as exigências de uma autêntica qualidade de vida.
É-o sobretudo na expressão mais madura, quando porventura a busca pessoal se perde no acolhimento do mistério da vida. Fiamo-nos tanto no imprevisível, que nos confiamos a um amor absoluto que nos vem do silêncio e do futuro.

A consolidação e o desenvolvimento da capacidade de invocação são problema educativo típico. Por outras palavras, dizem respeito à qualidade da vida e ao influxo do ambiente cultural e social em que ela se desenvolve. Temos necessidade de devolver ao homem uma qualidade madura de vida; e fazemo-lo entrando, com decisão e competência, no cadinho dos muitos projetos do homem sobre os quais se está a despedaçar a nossa cultura.

Nem tudo, porém, pode reduzir-se a intervenções apenas educativas. O educador crente sabe que, sem o anúncio de Jesus Cristo e sem a celebração do seu encontro pessoal, o homem permanece fechado e triste no seu desespero. Para lhe devolver verdadeiramente felicidade e esperança somos convidados a assegurar o encontro com o Senhor Jesus, a razão decisiva da nossa vida. Este encontro é sempre expressão de um diálogo de amor e de um confronto de liberdade, misterioso e indecifrável. Escapa a qualquer tentativa de intervenção do homem. Nele é reconhecida a prioridade da iniciativa de Deus.

Daqui a convicção: a invocação é uma experiência de vida quotidiana, fruto de inteligentes processos educativos. Pode ser educada.
É educada mas em duas modalidades que podem aparecer em oposição.

1. É educada quando o educador atua sobre germes iniciais de invocação e ativa processos capazes de os desenvolver até um êxito satisfatório.
2. Mas é também educada quando o educador que faz propostas, – pondo diante da pessoa o mistério em que a nossa vida está envolta e a sua experiência pessoal deste mistério, – evangeliza, com decisão e coragem, respeitando modalidades comunicativas capazes de suscitar liberdade e responsabilidade.
Tenho consciência de que a vida quotidiana, no seu ritmo normal, está carregada de germes de invocação. É acolhida, educada e restituída em autenticidade ao seu protagonista.
A evangelização, ao mesmo tempo, quando ressoa dentro da busca de sentido que atravessa dada existência, pode desencadear este processo de amadurecimento da invocação; sabe provocá-lo naqueles que vivem ainda distraídos e superficiais; satura-o naqueles que porventura sabem exprimir autenticamente a sua vontade de vida e de felicidade.
Educamos para a invocação para permitir às pessoas abrir-se totalmente ao mistério anunciado. Evangelizamos o Deus de Jesus para dar pão a quem o procura e nascentes de água fresca a quem tem sede; mas anunciamo-l’O com força e coragem para fazer crescer a fome e a sede de vida em plenitude.

A qualidade do anúncio: para uma “nova evangelização”

Na atual comunidade eclesial, hoje, estamos muito atentos aos temas e à urgência da evangelização. Redescobrimo-la como o dom precioso que os discípulos de Jesus podem oferecer para sustentar a vida e fundamentar a esperança de todos.

Para dizer tudo isto, falamos de “nova evangelização”. Não podemos esquecer que a “novidade” “reclama a exigência de uma renovada modalidade de anúncio, sobretudo para aqueles que vivem num contexto, como o atual, em que os desenvolvimentos de secularização deixaram pesadas marcas mesmo em Países de tradição cristã” (Bento XVI).

No âmbito da pastoral juvenil e com os jovens que nos lançam a provocação de um desafio de sentido e de esperança (como apenas recordei), o serviço para a “nova evangelização” pode ser colocado a três níveis:

  • evangelizar como gesto de amor
  • evangelizar num correto modelo de comunicação
  • a proposta da narração.

Evangelizar como gesto de amor

Já recordei uma convicção importante: o anúncio de Jesus é o grande gesto de amor que podemos fazer relativamente aos nossos amigos, para lhes restituir vida, consolidar a esperança, convidar a uma responsabilidade pela causa do reino de Deus.

Isto parece-me hoje o ponto de perspetiva, a redescobrir, aprofundar, relançar.

O anúncio de Jesus, como gesto de amor, caloroso e apaixonado em relação às pessoas, não nasce nem do pedido do interlocutor nem do nosso desejo apostólico. Nasce das lógicas do serviço pleno e total, para cada pessoa no mistério da sua existência, e para a história pessoal e coletiva de todos, na perspetiva daquele projeto a que Jesus chamou o “reino de Deus”.

Desta visão global, mudam ritmos e tempos. Já não pode haver um antes, que prepara, e um “finalmente” que realiza. O amor tem lógicastotalmente diferentes. É descentralizar para o outro. Mas mede a qualidade do seu serviço pelo bem objetivo da pessoa amada. Não desiste por ser rejeitado. E também não se redimensiona, para se tornar mais aceitável. Arrasta quem ama, para lhe permitir crescer em plenitude e autenticidade: como a mãe que tira das mãos do filho que ama um jogo perigoso… mesmo se ele chora e grita, porque lho impõe o amor o amor concreto que lhe tem.

Querer bem a uma pessoa significa querer profundamente o seu bem, permitir a uma pessoa descobrir que a profunda expetativa de esperança e de sentido que percorre a sua existência, tem necessidade de encontrar respostas. Não podemos continuar a adiar o tempo do encontro com estas respostas e não podemos, por nenhuma razão, deixar desiludidas estas expetativas. Por isso, mesmo a partir do amor que cada um de nós consagra aos irmãos que tem a alegria de encontrar, descobrimos que não podemos resignar-nos a não falar de Jesus. O silêncio, neste caso, tornar-se-ia uma escolha que atraiçoa o amor.

O amor exige ajudar cada pessoa a tornar-se cada vez mais senhora da sua própria vida. Mas só somos senhores da nossa vida quando conseguimos experimentar o seu sentido, mesmo no momento em que eventos trágicos parecem entregar-nos ao contrassenso. Somos senhores da nossa vida, se formos capazes de a situar dentro de um projeto maior que diz respeito também ao futuro da nossa existência: conseguimos encontrar uma razão feliz, mesmo frente à dor e à morte, descobrimos que somos plenamente nós próprios só quando conseguimos morrer, como grão de trigo, para que todos tenham a alegria de ceifar o cereal que cresceu no terreno do meu pequeno serviço.

Falamos de Jesus não só porque O consideramos um amigo importante cuja amizade sentimos a alegria de oferecer a todos… falamos de Jesus e queríamos que todos pudessem encontrá-l’O no coração da sua existência, porque só n’Ele podemos descobrir que, apesar de tudo, somos e permanecemos senhores da nossa vida. Verdadeiramente o nome de Jesus é o maior presente que podemos dar a todos, para a todos restituir a alegria de viver e a liberdade de esperar.

A comunidade eclesial não se resigna se, às pessoas com quem compartilhamos a vida quotidiana, o nome de Jesus não interessa. Não se resigna, se diante do anúncio elas ficam indiferentes, preocupadas com muitas outras coisas. Está próxima delas, inquieta-as e interpela-as, porque só quando elas tiverem encontrado Jesus, poderão verdadeiramente permanecer naquela alegria e naquela esperança que procuram, infelizmente tantas vezes como a pessoa com sede que procura um gole de água entre as pedras e a sujidade dos poços secos.
Da perspetiva do amor que se faz anúncio, podemos repensar verdadeiramente todo o processo. Estou convencido que uma grande e empenhativa tarefa nos está confiada, no plano dos conteúdos e dos modelos de comunicação.

Evangelizar num correto modelo de comunicação

Sugiro uma espécie de criteriologia, sublinhando três condições determinantes, mesmo no plano operativo, para qualificar o modelo de comunicação mediante o qual realizar a evangelização.

Primeira condição: comunicação de uma experiência

A primeira condição consiste numa comunicação capaz de assegurar a partilha da experiência daquele que narra e dos destinatários da narração.
Tantas vezes ficámos profundamente impressionados pelo tom das grandes catequeses apostólicas, tal como são documentadas pelos Atos e pelas Cartas. João, por exemplo, abre a sua Carta com um testemunho solene: «A Vida manifestou-se e nós vimo-la; o que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o que contemplámos e as nossas mãos tocaram» (1Jo 1,1-2). Também Paulo recorda a experiência pessoal, quando sublinha os temas centrais da sua pregação (veja-se, por exemplo, 1Cor 15 e 2Cor 12).

Esta é uma dimensão qualificante do anúncio cristão: o que é comunicado provém de uma experiência pessoal direta e é apresentado aos outros com a intenção explícita de suscitar novas experiências. Não é antes de tudo uma mensagem, mas uma experiência de vida que se faz mensagem, numa cadeia ininterrupta que reporta à experiência fundante que alguns crentes tiveram em Jesus.

Quem evangeliza sabe que é competente só porque já foi salvo pela história que narra; e isto porque escutou esta mesma história da boca de outras pessoas. A sua palavra é, portanto, um pedaço de vida real, interpretada e transformada em palavras. A história narrada não diz respeito só a eventos ou pessoas do passado, mas também ao evangelizador e àqueles a quem o anúncio é feito. Ela é de algum modo a sua história.

Quem evangeliza, fá-lo como homem salvo, que narra a sua história para envolver outros nesta mesma história.

Segunda condição: uma comunicação que impele ao seguimento

Em segundo lugar, o modelo de evangelização que estou a sublinhar carateriza-se pela intenção explícita de envolver também os interlocutores na experiência narrada. A evangelização é, de facto e sempre, a narração de uma história que impele ao seguimento. A sua estrutura linguística não se destina a dar informações, mas pede uma decisão de vida.

O convite à conversão é assegurado, não por serem difundidas informações ainda não conhecidas, mas por o interlocutor ser chamado em causa na primeira pessoa. Não pode ficar indiferente diante da provocação: os dois braços abertos do pai que espera ansiosamente o regresso do filho perdido a casa obrigam a decidir de que lado se quer estar. A formação dá-se, não na medida das coisas novas aprendidas, mas no reconhecimento do estilo de vida a que são convidados aqueles que desejam fazer parte do movimento dos crentes.
O significado destas afirmações e as razões que as justificam estão ligados com a experiência dos discípulos de Jesus.
Um exemplo importante é constituído pelas parábolas. Estas não são o relato de acontecimentos, entregues à análise crítica do historiador. Não são preciosas e significativas pelo facto de conseguirmos reconstruir o tempo e o lugar em que se desenrola o acontecimento narrado ou por podermos verificar a congruência dos pormenores. São, ao invés, uma chamada pessoal a envolver-se no acontecimento para tomar posição.
A opção de privilegiar uma perspetiva implicativa sobre a descritiva é importante também por uma razão de competência. Quando se é chamado a transmitir informações técnicas, o direito à palavra mede-se pela competência possuída: quem sabe o que tem a dizer, pode falar; quem não sabe, deve calar-se. Quando, ao invés, no centro da comunicação está o convite ao seguimento e à coragem da conversão, a ciência já não basta. É necessária a paixão e o envolvimento pessoal. O direito à palavra não é reservado só aos que sabem pronunciar enunciados que descrevem de modo correto e preciso aquilo a que nos referimos. Quem viveu uma experiência de salvação, narra-a aos outros; fazendo assim, ajuda a viver e concretiza o estilo de vida a assumir para, com alegria, poder fazer parte do movimento daqueles que querem viver na experiência salvífica de Jesus de Nazaré

Por esta razão, a evangelização é sempre interpelante.

Terceira condição: uma comunicação que antecipa em pequeno o que se anuncia

Em terceiro lugar, a evangelização é uma boa comunicação quando possui a capacidade de produzir o que anuncia, para ser sinal salvífico. A narração termina com um envolvimento interpessoal tão intenso que permita viver hoje aquilo de que se faz memória. A história torna-se narração de esperança.
Não se trata de arrancar da memória de uma calculadora informações frias e impessoais, mas de libertar a força crítica contida na narração.
Os cristãos são por vocação os anunciadores da esperança, por serem testemunhas da paixão de Deus pela vida de todos.
Para poder falar de modo sensato da salvação de Deus que é Jesus devemos mostrar com os factos que é possível crescer como homens e mulheres na liberdade e na responsabilidade, capazes de amar de modo oblativo, empenhados na realização da justiça, testemunhas do sentido do sofrimento e da morte. Só assim, podemos mostrar eficazmente «a força do Espírito, aquela que pode ser vista e ouvida» (At 2,33), aquela que se traduz em gestos que nunca são feitos em vão (Gal 3,4). Anunciar a fé significa, portanto, narrar de um Deus «que dá o Espírito e realiza maravilhas» (Gal 3,4), apoiando esta narração «não em discursos persuasivos de sabedoria, mas na manifestação do Espírito e do seu poder» (1Cor 2,4).

A comunidade eclesial partilha a história e a vida de todos para, com palavras e com os factos, gritar do fundo do coração a grande promessa de Deus, que lhe diz diretamente respeito: «Vou realizar algo de novo, já está a aparecer: não o notais?» (Is 43,18-19). Assim quem narra d’Aquele que deu vista aos cegos e fez andar os aleijados, confronta-se com a tarefa quotidiana de curar os cegos e os aleijados de hoje. Mesmo se anuncia uma libertação definitiva só na casa do Pai, tenta antecipar os sinais dela na provisoriedade do hoje.

Demasiadas vezes, as situações trágicas permanecem na sua lógica desesperada e opressiva. Parecem um grito de revolta contra o Evangelho da vida e da esperança.

A narração da história de Jesus, diferentemente da argumentação que tudo explica e que sobre cada caso tem a palavra segura, fala de forma concreta e realista do sofrimento do homem. Não possui a chave dialética para resolver todas as situações e não tem a pretensão de desintrincar de forma lúcida os meandros obscuros da história. Partilha o caminho cansativo do homem; procura superar as contradições na companhia de todos; fala, com palavras boas, respeitosas, pacificadoras, concretas.
A palavra evangelizada mostra com os factos o Deus da vida: liberta e cura, reenviando de cabeça levantada quem chega destruído sob o peso dos acontecimentos, pessoais e coletivos; restitui a dignidade àqueles a quem foi tirada; dá a todos a liberdade de olhar para o futuro, numa esperança ativa, para os novos céus e as novas terras onde finalmente todas as lágrimas serão enxugadas (Ap 21).

A proposta da narração

Nestes anos imaginei um modelo concreto de comunicação, capaz de respeitar as três condições apenas recordadas. Chamo-lhe modelo narrativo.
Proponho realizar a evangelização dos jovens “narrando histórias que ajudem a viver”.
E explico-me de uma penada, remetendo para a vasta literatura sobre o assunto.
No mesmo evento evangelizador deveriam entrelaçar-se sempre três diferentes histórias: o evento de Deus que se faz próximo de cada um de nós, para a nossa vida e para a nossa esperança, as expetativas e as experiências das pessoas a quem é oferecida a narração, a experiência, vivida e sofrida, de quem reencontra a alegria e a coragem de partilhar aquilo que experimentou no encontro salvífico.
Estes três dados, de peso e de significado tão diverso, tornam-se uma palavra única, porque a autenticidade e verdade de cada elemento exige os outros, num jogo de relações recíprocas.

Quem quer servir a vida e consolidar a esperança não pode reduzir a sua proposta a fragmentos da sua própria existência. Ninguém pode dar a vida plena: nem a si nem aos outros. Dor, incerteza e morte ameaçam continuamente qualquer pretensão de autossuficiência. Temos necessidade de oferecer uma referência mais alta e segura, a do único nome em que todos podemos ter a vida.
O evangelizador narra, portanto, os textos da sua fé eclesial: as páginas da Escritura, as histórias dos grandes crentes, os documentos da vida da Igreja, a consciência atual da comunidade eclesial acerca dos problemas de fundo da existência quotidiana. Neste primeiro elemento, propõe, com coragem e firmeza, as exigências objetivas da vida, vista à luz da verdade proclamada. Crer na vida, servi-la para que nasça contra todas as situações de morte, não pode por certo significar diluir as exigências mais radicais nem deixar campo à debandada da busca sem horizontes e da pura subjetividade.

O evangelizador não consegue, porém, falar como se ele nada tivesse a ver com o assunto e como se porventura estivesse acima da refrega. A vida é aventura de solidariedade profunda e contínua, que nem sequer a morte física consegue quebrar. Este envolvimento pessoal confere-lhe a autoridade de que tem necessidade para pronunciar palavras exigentes, que julgam e inquietam com a força de uma existência reconquistada de modo reflexo. Também esta exigência reconstrói um fragmento da verdade da história narrada. Retira-a dos espaços do silêncio frio dos princípios para a mergulhar na paixão ardente da salvação.
Os seus interlocutores não são os destinatários passivos da comunicação. Eles tornam-se protagonistas da narração mesma. A sua existência dá palavra à narração: fornece a terceira das três histórias, sobre que se entrelaça a única história. O evangelizador fala deles na primeira pessoa, das suas expetativas e dos seus projetos, mesmo quando narra de homens e mulheres perdidos em tempos distantes ou quando ajuda a decifrar o percurso da natureza e da história ou quando reconstrói a trama de uma solidariedade que dá rosto a gente nunca vista.
Como no texto evangélico, a narração envolve na sua estrutura o evento narrado, a vida e a fé do narrador e da comunidade narrante, os problemas, as expetativas e as esperanças daqueles a quem a narração é feita. Este envolvimento assegura a função performativa da narração. Se ela quisesse antes de tudo dar informações corretas, seria necessária a repetição das mesmas palavras e a reprodução dos mesmos pormenores. Se, ao invés, a narração nos pede uma decisão de vida, é mais importante suscitar uma forte experiência evocativa e ligar a narrativa com a existência concreta. Palavras e pormenores podem variar, quando é assegurada a fidelidade radical ao evento narrado, em que está a razão constitutiva da força salvífica da narração.
Em força do envolvimento pessoal do narrador, a narração nunca é uma proposta resignada ou neutra. Quem narra a história de Jesus quer uma opção de vida: por Jesus, o Senhor da vida, ou pela decisão, louca e suicida, de viver sem Ele.
Por isso a indiferença atormenta sempre quem evangeliza narrando. Ele antecipa em ponto pequeno as coisas maravilhosas de que narra, para interpelar mais radicalmente e para envolver mais intensamente.

Entre competência e confiança: a espiritualidade do agente de pastoral juvenil

Termino a minha reflexão sobre a proposta de um projeto de pastoral juvenil, sublinhando uma exigência que tenho muito a peito.
Não posso, com efeito, imaginar linhas de ação sobre a pastoral juvenil sem situar tudo isto dentro de um claro e forte projeto de espiritualidade.
Esta indicação diz respeito, com a mesma intensidade, aos agentes de pastoral juvenil e à qualidade da sua proposta.
O tema é empenhativo e exigiria um desenvolvimento específico. Não posso fazê-lo. Limito-me a recordar a exigência.
Faço referência ainda à experiência dos apóstolos, para encontrar perspetivas significativas também para hoje. Ajudam-nos, como sempre, os “Atos dos Apóstolos”.
Os apóstolos são solicitados à ação. E organizam-se nesta perspetiva. Depois da Ascensão de Jesus, descem do monte e fazem o ponto da situação. Não excluíram da sua vida a incerteza nem aquela dose de trepidação que nunca faz estragos quando há grandes empreendimentos a realizar. Mas agora estão bastante prontos.
Pedro, por exemplo, reorganiza o grupo, procurando o sucessor de Judas. E fá-lo com a segurança que lhe advém do mandato de Jesus, que ninguém contesta, não obstante o triste parêntese da traição.
Depois, segundo a promessa de Jesus, vem o Espírito, a completar a experiência e a transformar o coração, e a aventura da Igreja começa.
Entre o regresso do monte e o salto missionário, os apóstolos inserem uma espécie de intervalo, estranho para gente como nós, habituada à pressa e à eficiência. Recolhem-se no cenáculo para uma pausa de oração e de contemplação: “Entregavam-se assiduamente à oração, com algumas mulheres, entre as quais Maria, mãe de Jesus, e com os irmãos de Jesus” (At 1,14). Têm o encargo de testemunhar o Evangelho até aos confins do mundo… e refugiam-se no primeiro andar da casa, dedicando tanto tempo a uma atividade que pouco tem a ver com o ativismo que lhes tinha sido solicitado.
Considero esta experiência apostólica um dom preciosíssimo para nos ajudar a compreender as condições de uma fidelidade ao encontro e à confiança de Jesus, capaz de ultrapassar medos, incertezas, desistências e traições. Parecem dizer-nos: de acordo… há urgência… mas nenhuma urgência pode fazer esquecer como é irrenunciável contemplar o mistério de Deus na oração.
Talvez haja uma inegável componente de medo. O Espírito não os tinha ainda transformado. Mas de certeza os tinha marcado profundamente a experiência de Jesus, que tinha o hábito de passar as noites em oração antes dos grandes empreendimentos.
Parece-me uma dimensão fundamental: uma condição de fidelidade.
Pensando nisto, conseguimos até compreender a razão desta escolha.
Os discípulos estão ao serviço da vida e da esperança no Reino de Deus. Mas tudo isto nunca pode ser considerado fruto do esforço humano… embora o exija intensamente. O Reino prometido é dom. Tinha-o dito com força Jesus: “A causa da vida está a peito antes de tudo a Deus: é a sua paixão e o seu compromisso. Ela [a sua paixão] realiza-a [a vida]. Mas Ele confiou-ma a Mim; e Eu entrego-vo-la, porque sois meus amigos”. E logo acrescenta: “Quando fizemos tudo o que devíamos fazer, devemos ter a coragem de reconhecer que somos apenas servos… sem excessivas pretensões. Da vida e da esperança… só Deus é senhor. Nós somos somente servos… com muito valor porque a causa da vida nos foi entregue, mas apenas servos, porque o projeto pertence a Deus”.
É uma questão empenhativa, sobre a qual nunca pensamos o suficiente, pressionados pelas milhentas coisas a fazer.
O centro do projeto de pastoral juvenil pode ser expresso como um projeto de espiritualidade, capaz de unificar toda a existência cristã, conciliando plenamente o amor à vida, a fidelidade à Igreja, a decisão de fazer de Jesus o Senhor da nossa existência.
Poderia parecer invulgar concentrar o projeto de pastoral juvenil em torno de um projeto de espiritualidade. Também eu e os amigos com quem nestes anos tenho trabalhado tínhamos ao princípio considerado bastante estranho concentrar as nossas atenções em torno de uma proposta de espiritualidade. Habitualmente, quando se fala de espiritualidade, pensa-se em alguma coisa que se acrescenta à vida quotidiana, com frequência reservada apenas àqueles que decidiram viver a sua própria existência num estilo todo especial. Sabíamo-lo e fizemos a opção precisamente para evitar que a espiritualidade se reduzisse a esta visão parcial. Queríamos reconquistar o termo “espiritualidade” como qualidade de toda a existência cristã.

Espiritualidade quer dizer, com efeito, vida quotidiana vivida, de forma progressivamente consciente, no Espírito de Jesus. Colocando no centro a espiritualidade, queríamos colocar mesmo no centro a nossa vida, acolhida com amor e com responsabilidade, e o projeto de Jesus sobre esta nossa vida. É possível, com efeito, resolver as inquietantes interrogações que atravessam a existência quotidiana, mas só na coragem de nos confrontarmos com a proposta do Evangelho num encontro pessoal com Jesus.

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