Hoje apetece-me contrariar o poeta (que muito aprecio). Não será um poema. É verdade. Mas uma partilha. Uma partilha que quero que todos saibam. Sou (fui) peregrino. Durante três anos peregrinei a pé a Santiago de Compostela. Que aventura. No primeiro ano fiz três etapas a pé. No segundo fiz toda a peregrinação ao volante do carro de apoio. Não são este dois anos que quero partilhar.

No último ano em que fui fiz toda a peregrinação a pé [não há duas sem três; à terceira foi de vez].

Em Valença encontrámo-nos: quem vinha de Cascais e quem vinha do Porto. Primeira noite: em branco. As coisas para falar eram imensas. E eu? Só queria dormir. No dia seguinte, bem cedo, antes do sol raiar, partimos. Sabíamos a que horas tínhamos que chegar ao ponto de encontro. E era quase sempre assim, todos os dias.

Mas, conforme os dias iam passando, íamos deixando cair as nossas máscaras. O cansaço, o dormir no chão, o tomar banho de água fria (embora muitos tomassem de água quente), o peregrinar, tornava-nos mais autênticos, mais genuínos, quebravam-se as barreiras alunos/professores. Numa palavra: sentíamo-nos mais livres.

Livres das preocupações. Livres do que nos escraviza diariamente. Livres de preconceitos. Livres para escutar. Livres para amar. Livres para ouvir. Livres para dar graças. Livres para caminharmos sós, em grupo, com Deus.

Aquele barulho característico que fazem os ténis (sapatilhas) sobre as pedras do caminho era música que nos dava ânimo. Quanto mais peregrinávamos, mais livres nos sentiamos.

Só assim se poderá entender que um grupo de cerca de 100 pessoas (alunos e professores) que caminham durante uma semana, sem televisão, sem cama, sem o conforto do lar, sem uma quantidade enorme de coisas, quando chega a Santiago chore que nem um bebé. Um choro de alegria, um choro de liberdade.

Bento Oliveira | @ilusaobento

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