D. Antonino Dias
Presidente da Comissão Episcopal Laicado e Família
Bispo de Portalegre-Castelo Branco

São constantes as abordagens relacionadas com os jovens, o namoro, a constituição de família e as famílias.

Na sociedade portuguesa, e segundo dados do Prodata, três em cada quatro casamentos não sobrevivem. Há menos casamentos, mais divórcios, menos filhos.

Sensivelmente, metade dos que nascem nascem fora do matrimónio. E, pasme-se!, aumenta o número de filhos de pais incógnitos. Alguém escrevia, há semanas, num dos grandes jornais da nossa praça: “Não é por acaso que toda a gente repreende com o olhar o choro de um bebé. Já o ladrar canídeo não parece incomodar ninguém”.

Há dias, diz o nosso povo, em que melhor seria não ter saído de casa. Saltita-me a ideia de que eu, hoje, também não deveria escrever, muito menos escrever tanto, mexendo em feridas. Parece-me que vou ser pessimista e deselegante em clima do dia dos namorados, mas picar-me-ia por dentro se calasse o que entendo dever dizer, com esperança e confiança nos jovens que entendem a importância do namoro e da preparação para o matrimónio. Serei perdoado, com certeza, pois é por respeito a eles e à família que o faço.

Acho, pelo que se constata e pela dor de quem nos bate à porta, que a saúde social se vai tornando problemática, sem terapia adequada e a indiferença a globalizar-se. Sem querermos julgar as causas de tais situações, por vezes muito delicadas, difíceis e não procuradas, sabemos que o sofrimento causado pela falência familiar é demasiadamente dolorosa e triste. Os filhos, sobretudo quando pequenos, para além do sofrimento que ninguém vê nem sequer imagina, são muitas vezes reféns da mãe ou do pai ou de ambos. São “coisa” a negociar. E vamos nós lá saber quanto sofrimento se esconde no coração destes esposos desavindos.

Com estas e outras palavras, tem-se dito e repetido que a quebra de laços familiares, a liberalização e banalização dos afetos, as crises económicas e sociais, o centro colocado na carreira profissional e no mercado de trabalho, a exploração laboral e quejandos, o ter de estar em todo o lado sem estar em lado nenhum, tudo, tudo faz esquecer e inverter as prioridades e os valores estruturantes da sociedade e da própria ecologia humana.

Seria bom que se conjugassem todas as forças e sinergias sociais na luta pela existência de famílias saudáveis e felizes, crentes e não crentes. Qualquer Estado, mesmo que laico, dever-se-ia chegar mais à frente nesta responsabilidade de ajudar a formar os jovens para a constituição de uma família, fundamento da sociedade. Formação que vai para além da educação sexual nas escolas e do saberem como é que hão de fazer sexo seguro. Para lá do ensino, haveria de cuidar-se também da educação integral dos jovens para saberem viver e conviver em sociedade, com maneiras e modos que edificassem e não levassem as pessoas a ter medo de viver numa sociedade a escangalhar-se e a fazer sofrer pelos cantos e esquinas.

Tanta exigência e preparação para isto, para aquilo e para aqueloutro, e bem. Até para se usar uma maquineta agrícola de pouca monta e se deitar ervecida na borda do caminho é preciso um curso de não sei quantas horas…

Não me parece muito curial que nenhuma preparação se aponte para aquilo que humaniza e enriquece a vida e a sociedade: A FAMÍLIA. Não se trata duma questão religiosa, trata-se, sim, duma questão verdadeiramente humana e social, de interesse público e global, que afeta a todos. É-se mais exigente na constituição de um qualquer clube de bairro ou empresa, bem como nas burocracias para ultimar as suas falências, do que para a constituição de uma família ou o desquitar-se da mesma. Qualquer falência, mesmo que sempre olhada com respeito, deveria ser exceção e não a regra.

No Sínodo sobre a família apontaram-se várias realidades a ter em conta e de que faço eco. Afirmou-se que as novas gerações são as mais afetadas pela degradação do humano, da autorreferência do indivíduo, da afirmação de um individualismo exasperado que desnatura os laços familiares. E mesmo que a maior parte dos jovens, porque responsáveis, bons e generosos, continuem a afirmar que gostariam de constituir uma família estável, eles “crescem na lógica do individualismo, do pragmático e do narcisismo que desperta neles mundos imaginários especiais de liberdade e de igualdade”. Tudo isto os leva a fugir dos compromissos definitivos.

A par, e tocados pelas ideologias que desvalorizam o matrimónio e a família, a muitos jovens não lhes passa despercebida a experiência do fracasso de outros casais. Muitos deles assistiram ou assistem, com apreensão e estranheza, ao fracasso do casamento dos próprios avós, pais, irmãos, educadores, professores, governantes, amigos, alguns deles os seus heróis. É verdade também que alguns terão o matrimónio como algo demasiado grande e sagrado a que têm receio de não corresponder. Outros haverá, porém, que, por causa de leis anti família, não queiram casar porque, se casarem, vão perder vantagens económicas que, se apenas conviverem, essas vantagens permanecem, como permanece a liberdade e a autonomia que também não querem deixar. Por um outro lado, existe também, não raro, uma visão meramente emotiva e romântica do amor e reação a tudo quanto é institucional e burocrático.

A própria extensão do termo família e do termo casamento a toda a sorte de realidade social não ajuda muito e a confusão é grande. Também por isso, muitos olham para a família de forma redutora e alguns acabam por fazer uma escolha “à la carte”, relativizada e privatizada, mas reivindicando os mesmos direitos. Ao Estado, qual pai bonacheirão ou pau-mandado, fica-lhe apenas o ónus de garantir as reivindicações destas escolhas pessoais, mesmo não sendo fundadas sobre um bem objetivo de alcance comum, mas sobre desejos individuais e aspirações afetivas. Tudo se justifica, ideologicamente, pelo princípio da não discriminação e da tolerância. 

Jean Laffitte, um estudioso francês diz que “Muitas vezes, pessoas vivem juntas e pensam preparar-se assim para um casamento ulterior. Enganam-se, tanto mais que se sabe que há uma maior proporção de divórcios entre as pessoas que viveram juntas que entre aquelas que não coabitaram antes do casamento, numa proporção enorme”. E no meio de todas estas experiências, mesmo quando não se chega ao casamento e a união se desfaz, a mulher é sempre a mais prejudicada e a que mais sofre, toda a gente sabe disso.

Saudações amigas para todos os namorados e namoradas com os votos de que tenham a coragem de marcar a diferença procurando fazer do namoro um verdadeiro tempo que os possa ajudar a descobrir “a beleza da família e do matrimónio, a grandeza desta realidade humana, tão simples e ao mesmo tempo tão rica, feita de alegrias e esperanças, de fadigas e sofrimentos, como o é toda a vida”.

O que parece, de momento, mais fácil e agradável, nem sempre será, por certo, o melhor nem o mais útil.

D. Antonino Dias
Presidente da Comissão Episcopal Laicado e Família
Bispo de Portalegre-Castelo Branco
(10-02-2017)

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