Pedro A. Neto
Diretor executivo Amnistia Internacional Portugal
Dois mil e dezasseis termina sem folego. Foram semanas de uma intensidade atroz. Os confrontos na Síria cercearam homens, mulheres e crianças que se viram impossibilitados de sair de Alepo, a cidade milenar a ser destruída por uma guerra que teima em não terminar. Chegaram imagens ao mundo ocidental de despedida, os últimos gritos da cidade inocente de onde milhares de inocentes já não acreditavam conseguir sair. Os que conseguiram, esbarram às portas da europa. Em Portugal, estamos disponíveis a acolher pouco mais de duas dezenas de milhar destes 21 milhões de refugiados que há no mundo.
Mais de metade de todos estes, estão concentrados em apenas 10 países. Alguns destes, são países mais pobres que Portugal.
O quanto seria simples se todos os países do mundo partilhassem entre si a responsabilidade de os acolher, aos refugiados, enquanto esta guerra absurda e as suas consequências perdurarem. Os 21 milhões de refugiados são apenas 0,3% da população mundial, fogem de cenários de vida impossível. São, segundo Francisco, nossos irmãos.
Além desta crise de acolhimento, fomos ouvindo discursos de líderes políticos em serviço e outros já eleitos para servir, apelando à separação, ao fechamento de fronteiras, ao erguer de muros. Alimentam um mundo de clivagens em que todos parecemos de costas voltadas e não partilhamos a responsabilidade de construir, juntos, um mundo melhor.
Francisco, desinstala-nos a todos. A cada um de nós em casa e a todos os da guerra, os da paz, a todos os líderes políticos e a todos os que já só lhes resta a pobreza da violência. Desafia todos os mais fortes, todos os mais frágeis, todos os estrangeiros, os de outras crenças e religiões, todos os de outras orientações sexuais, todos os diferentes de nós, em alguma coisa. Todos, nas nossas diferenças, somos irmãos na mesma humanidade.
E é neste horizonte que a violência e a espiral que ela gera em torno de si mesma, pode chegar ao fim.
Costumava contar aos meus alunos mais novos que heróis eram aqueles que tinham a coragem de interromper o ciclo da violência. “Quando um colega vosso vos der uma chapada, provavelmente responder-lhe-ão com duas. Ele devolve-vos três; e assim por diante…”.
A violência gera violência. Destrói todas as partes envolvidas. Nada há com menos sentido.
Seja nas relações pessoais, seja em política internacional, a razão nunca está apenas de um lado, o mal não está também apenas de um lado. Se observarmos a História, o espaço, se virmos além de um dos lados, compreenderemos melhor a vida, o tempo, o mundo e as pessoas. Veremos o bom que há em cada um e construiremos pontes, como as que Francisco nos desinstala a construir com a sua proposta da não-violência como estilo de uma política para a paz.
O mundo não precisa de opiniões vazias disfarçadas de sabedoria, de conversa vazia e intolerante, não precisa de gente que tome partidos como se de um jogo de futebol se tratasse: sou pelos azuis; sou pelos encarnados. O mundo não precisa de gente que não contribua. O mundo não precisa de indiferença.
O mundo precisa de amor. Precisa de gente que faça pontes entre todos, e todos temos de fazer a nossa parte no que a mudar o mundo diz respeito.
Ninguém se pode demitir, seja na escala da nossa família, da nossa comunidade, do nosso trabalho, escola ou grupo de jovens, seja no exercício da liderança e governação internacional.
Nenhuma pessoa, e em especial os cristãos, se pode demitir – segundo Francisco – desta missão de não-violência ativa. Não há melhor doutrina social do que trabalhar por um mundo onde todos tenham lugar e dignidade, não há melhor ativismo que este de dizer presente à oportunidade de fazer acontecer e com coragem dizer não à violência, à guerra, ao conflito destruidor, à injustiça, ao desamor e ao desequilíbrio.
Francisco na sua mensagem do dia mundial da paz, faz este convite a todos. A cada um nos meios onde vive, da família à sua comunidade; e aos líderes que todos somos ou podemos um dia vir a ser. Desafia os líderes políticos e religiosos, os responsáveis das instituições internacionais e os dirigentes das empresas e dos meios de comunicação social de todo o mundo a aplicar o espírito do discurso da montanha, um dos mais belos poemas sobre justiça, na forma como exercem as suas responsabilidades tendo sempre em conta os direitos humanos.
A violência não é o remédio para o nosso mundo dilacerado. Antes a partilha, o encontro, a abertura ao outro. Que desafios encerram estas duas linhas a todos nós!
Frei Betto, numa atualização das bem-aventuranças [1], elogia os que fazem do braço, abraço de união e os que fazem da espada enxada, que ao invés de matar, cultiva e alimenta os outros. Tem razão ele.
Há tanto que podemos fazer, desde assinar uma petição da Amnistia Internacional, a partilhar um assunto de Direitos Humanos pelos nossos amigos, a escrever uma carta a um líder político para que atente na liberdade e na justiça, a envolver-se nalgum grupo de direitos humanos, a fazer voluntariado, a inscrever-se num partido e ser aí sinal de bem comum; há tanto que quem tem fome e sede de justiça pode fazer. E bem-aventurados serão, porque trabalharão com a não-violência e assim farão com que no mundo se alcance, por fim, a Paz.
Creio que Francisco concordará e nos desafiará ainda a mais.
Pedro A. Neto
Diretor executivo Amnistia Internacional Portugal
Pedro A. Neto respondeu também a umas perguntas ao DNPJ sobre a o trabalho na e da Amnistia Internacional, a defesa dos Direitos Humanos e a sua experiência para a AI. Recordamos que foi presidente da ONGD ORBIS, na Diocese de Aveiro, foi voluntario em terras de missão, professor de EMRC – Educação Moral e Religiosa Católica. Para ler aqui: www.dnpj.pt/entrevista-diretor-executivo-amnistia-internacional-portugal/
‘A não-violência: estilo de uma política para a paz’, a mensagem do Papa Francisco para o 50.º Dia Mundial da Paz, a 1 de janeiro de 2017.
[1] Frei Betto: “Um Homem chamado Jesus”. Editora Rocco. S. Paulo, Brasil.