Francisco Ferreira
Quercus

A nova encíclica “Laudato si” divulgada na passada semana sobre a nossa “casa comum” é um alerta pertinente às consciências dos governantes, de cada um de nós e em particular da comunidade católica de todo o mundo.

2015 é um ano decisivo de negociações na área do ambiente e do desenvolvimento sustentável, dado que a Assembleia Geral das Nações Unidas deverá adotar em setembro, 17 objetivos para o desenvolvimento sustentável, a cumprir à escala global até 2030 e em dezembro espera-se um acordo sobre as alterações climáticas, um dos maiores problemas deste século, a ser assinado em Paris.

A encíclica papal faz um excelente diagnóstico da nossa sociedade e da forma como estamos a usar os recursos – esgotando-os, usando-os de forma muito desequilibrada, sem atendermos à necessidade das gerações futuras, numa economia que privilegia o consumo em detrimento de uma necessária qualidade de vida semelhante para todos. Se as alterações climáticas merecem um destaque particular, com muita informação proveniente da ciência, identificando as ações humanas como responsáveis pelo aquecimento global, em particular pela queima de combustíveis fósseis, também é verdade que aspetos como a biodiversidade ou a gestão da água estão presentes.

Acima de tudo, o documento aposta numa visão integradora onde as questões económicas e sociais são muito importantes fazem parte de uma longa e extensa mensagem, onde as questões ontológicas e da criação não são obviamente esquecidas.

Inspirado por São Francisco de Assis, patrono da ecologia, o papa fala da pobreza e põe o “dedo na ferida” da sociedade atual, que não tem capacidade de gerir adequadamente os bens que o planeta proporciona, criando diferenças avassaladoras entre países e entre continentes. Porém, nesta carta aos bispos, o papa dá soluções, em grande parte também defendidas por inúmeras associações de ambiente de todo o mundo, como seja a aposta nas energias renováveis e na eficiência energética. É certo que em determinadas questões, o acordo não é total (considera-se que os organismos geneticamente modificados não têm os impactes que os ambientalistas têm denunciado), mas não vale a pena olharmos aos pormenores, quando a oportunidade, a chamada de atenção, o conteúdo principal da encíclica, é extremamente rico e toca no elemento fundamental – o planeta, a nossa casa, é comum – é de todos, acreditemos ou não em Deus, mas com maior justificação no primeiro caso, temos de saber cuidar dela se queremos sobreviver e é nossa responsabilidade fazê-lo para com as gerações futuras. Aliás, esta questão, no contexto daquilo a que o papa chama a “ecologia integral”, merece uma menção direta aos bispos portugueses que já haviam alertado para estas questões de justiça intergeracional.

A encíclica não deverá agora permanecer como uma mera reflexão – é preciso passa-la à prática. Se queremos que os políticos à escala mundial comecem a dar uma resposta mais rápida aos problemas de um planeta doente e ameaçado, a mensagem do papa tem de chegar a todos, mudando mentalidades e comportamentos, num caminho que se sabe longo mas que tem de começar já, mobilizando os jovens, a comunidade católica em Portugal e no mundo, aproveitando esta oportunidade como uma motivação para o conhecimento, a reflexão, e também para a esperança.

* Francisco Ferreira, professor na Faculdade de Ciências e Tecnologia, da Universidade Nova de Lisboa; foi presidente da Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza, entre 1996-2001; é membro do Grupo de Trabalho sobre Energia e Alterações Climáticas; Licenciou-se em Engenharia do Ambiente na FCT/UNL em 1989; Mestrado em Virginia Tech, EUA; doutoramento na FCT/UNL em 1998.

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