“O Papa Francisco tem sido um dos maiores engenheiros de pontes de paz”

Pedro A. Neto foi escolhido este ano como diretor executivo Amnistia Internacional Portugal, entre cerca de uma centena de candidatos. Antes do novo desafio foi presidente da ONGD – organização não-governamental para o desenvolvimento Orbis – Cooperação e Desenvolvimento, ligada à Diocese de Aveiro, tendo realizado ações de voluntariado nos PALOP – Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa – Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde, no Brasil – Amazónia e em Marrocos.

DNPJ – Porquê candidatar-se a diretor executivo da Amnistia Internacional (AI) Portugal? Como recebeu a nomeação, que importância tem estar a desempenhar essas funções desde maio?

Pedro A. Neto – Como pessoas, como cidadãos, como cristãos, como gente que vive e partilha o mundo com outras pessoas e com a natureza, é nosso dever trabalhar e viver para que o mundo seja melhor, para todos.

Candidatar-me a um trabalho destes a tempo inteiro foi dizer que sim a dedicar a vida a isso, aquilo em que se acredita e tentar, profissionalmente também, viver de modo integrado e completo uma vida em favor dos Direitos Humanos, a ferramenta mais fundamental do que dizia no início: chegarmos a ter um mundo melhor, para todos.

Recebi a notícia de nomeação de uma forma muito livre, feliz. Não tinha expectativas, todo o processo de concurso foi também um trabalho pessoal de dar o meu melhor e também de baixar as expectativas para, o que dali viesse, fosse serviço e não prémio. E assim foi. A nomeação não foi um ponto de chegada, foi um ponto de partida para um desafio imenso, com muitas frentes e prioridades a atender. Os Direitos Humanos são, em todos os casos, questão de urgência.

Desde maio, não tem havido tempo a perder, por vezes nem para respirar, com o bom e o mau que isso significa. O espírito é, tento que seja a cada dia, de serviço, de atender o mais possível as pessoas e as causas da Amnistia e de liderar a equipa, os voluntários e os membros da organização, que comigo trabalham, para que seja esse o nosso espírito de trabalho, cada vez mais eficaz.

DNPJ – Como é que a sua experiência – presidente da ORBIS, voluntariado, entre outras – é uma mais-valia e vantagem para essas funções?

 Pedro A. Neto – Creio que a vida nos prepara para a vida. Nada é acaso, tudo é aprendizagem. Tanto a experiência académica, como a experiência profissional e o voluntariado me capacitaram para o trabalho que estou a desenvolver. Também o que aprendo, continuamente, as pessoas com que me cruzo e partilho a vida e o trabalho, são fonte contínua de inspiração e de aprendizagem. E assim será depois quando um dia partir para outra experiência ou etapa da vida.

Tudo flui e caminha para sermos a promessa que somos e a ORBIS, o voluntariado, a gestão de voluntariado, a experiência como professor, os estudos em História, em Gestão, em Direitos Humanos, em Políticas Públicas ajudam-me muito a ter uma visão estratégica, a ver o potencial das pessoas, dos acontecimentos e juntar as forças e as vontade necesárias para que possamos fazer acontecer o que tem de ser feito.

Ainda antes, a minha família e quatro anos de formação humana no seminário de Aveiro solidificaram em mim valores que definiram a minha personalidade, para o bem e para o mal. Tudo isso fez de mim o que sou hoje, pessoal e profissionalmente, cheio de defeitos que tento mitigar todos os dias e com qualidades que tento potenciar ao serviço daqueles e daquilo em que acredito.

DNPJ – A Amnistia Internacional está a celebrar 35 anos da presença em Portugal. Qual a importância do movimento em território nacional? Que ajuda/apoio dá Portugal no todo mundial da AI?

Pedro A. Neto – O legado da AI tem o peso destes 35 anos de trabalho diário a juntar e a mobilizar pessoas pelos Direitos Humanos.

Ao longo destes 35 anos a Amnistia Internacional fez um trabalho notável no que diz respeito à defesa dos Direitos Humanos e à defesa das pessoas que sofrem por defenderem os Direitos Humanos. As histórias de sucesso e de liberdade são felizmente em número significativo!

Demos voz às causas e aos problemas de ativistas de direitos humanos, muitas vezes cristãos, que por o serem não calaram a sua voz pela defesa dos Direitos Humanos.

A título de exemplo, há alguns anos foram presos sacerdotes em Angola. Trabalhavam e clamavam por direitos humanos dos povos onde viviam. Foram silenciados pela privação da sua liberdade. Foram presos. A Amnistia fez tudo quanto pôde para que não fossem esquecidos no cárcere e trabalhou mediaticamente pela sua libertação, com sucesso.

Este é apenas um exemplo paradigmático do trabalho e da relevância da Amnistia Internacional. A Amnistia Internacional não é importante ou relevante per se. É importante na medida em que juntar pessoas que, de voz unida clamem por um mundo com Direitos Humanos.

Deste modo, não consigo distinguir uma relevância nacional, separada da internacional. Somos todos a trabalhar para o mesmo, a dar voz a quem mais necessita, a trabalhar para propor soluções que contemplem os direitos humanos na educação e nas políticas públicas e a estar atentos à realidade em que vivemos para que os direitos humanos, a nível local ou internacional, sejam respeitados.

DNPJ – Que análise faz ao respeito dos Direitos Humanos em Portugal e no mundo quais as situações mais preocupantes?

Pedro A. Neto – O mundo hoje está mais fechado ao outro, àquele que é diferente da norma. Vivemos tempos em que as pessoas e os países, tendencialmente estão mais ensimesmados que outrora. Têm voz hoje causas alimentadas pelo medo e geralmente, o medo é projetado naqueles que não conhecemos bem, os de fora, os estrangeiros, os estranhos aos nossos costumes.

Todos aqueles que advogam o extremismo, galvanizam esta narrativa do medo contra aquele que vem de fora, que é estrangeiro à norma, ao país. E vem daqui a intolerância, o não acolhimento. Ser voz que ecoa no meio da injustiça, paga-se hoje com muito. A liberdade de expressão apresenta-se como um verdadeiro desafio de coragem e lucidez, à medida que o extremismo e o totalitarismo cresce. Há muitas pessoas que sofrem por dizerem o que pensam e defenderem um mundo mais justo. Os defensores de direitos humanos correm hoje riscos de vida significativos.

Outra situação muito preocupante é a inação daqueles que podem de facto fazer a diferença e se demitem dela obedecendo a outros interesses que não o bem comum da humanidade. O conselho de segurança das Nações Unidas, devido ao direito de veto, tem-se revelado completamente ineficaz na prevenção e resolução dos conflitos – a Síria é disto tão flagrante exemplo.

Em Portugal, o impacto das medidas de austeridade dos últimos anos ainda se verifica. A pobreza condiciona o acesso aos direitos humanos em plenitude.

É nos mais pobres que o acesso à justiça se verifica mais difícil pelos elevados custos judiciais; é nos mais pobres que é pior registado o direito à habitação; é também entre os mais pobres que se encontram aqueles que mais sofrem por discriminação racial e é nos mais pobres, dos bairros sociais urbanos, que a violência pode mais facilmente proliferar. Estas pessoas necessitam de maior proteção, pois são as mais frágeis e vulneráveis.

São de facto, as pessoas mais frágeis, as que são potencialmente um alvo mais fácil e por isso, mais frequentemente vítimas de abusos de direitos humanos.

DNPJ – Na defesa dos Direitos Humanos em que campos atua mais a Amnistia Internacional para que haja respeito e liberdade?

Pedro Neto – Atuamos em várias frentes de ação, onde procuramos criar impacto para que os Direitos Humanos sejam mais relevantes em todo o mundo.

Trabalhamos no campo da investigação, para continuar a comprovar e a denunciar os abusos de direitos humanos onde quer que eles aconteçam. Se o mundo souber e não se esquecer daquilo que de mal acontece, pode unir-se e transformar essa realidade.

Atuamos na advocacia, junto de governos e outros decisores públicos e políticos, apelando e exigindo a que situações de abusos de direitos humanos sejam revertidas.

Trabalhamos ainda no envolvimento público e na educação para os direitos humanos, trabalhamos para capacitar as pessoas para que conheçam os seus direitos e os reivindiquem. Mais ainda, para que conheçam os Direitos Humanos e os defendam, sobretudo são os direitos humanos de outras pessoas em situação de maior fragilidade que estão em causa. Educamos para a ação, para o trabalho por um mundo melhor.

DNPJ – O que destaca da ação e das palavras do Papa Francisco na defesa e promoção dos Direitos Humanos?

 Pedro A. Neto – O Papa Francisco tem sido um dos maiores engenheiros de pontes de paz. Tem sido um incansável ativista e defensor de direitos humanos, construindo pontes como ninguém, aproximando pessoas, países e fazendo-o com uma discrição, sabedoria e coerência deslumbrantes.

Pouco tempo depois de ser eleito, o Papa Francisco impressionou pela sua postura e pela sua humildade, pelo seu espírito de serviço. Não estávamos habituados a ver um Papa de sapatos sujos do caminho que faz com as pessoas. Prima pela coerência do exemplo, pela sua liderança tranquila, mas assertiva, ao estabelecer esse exemplo.

– Renunciou viver o palácio a ele destinado, ficando na casa de Santa Marta, a viver com outras pessoas.

– Acolheu sem-abrigo de Roma e deu a eles as primeiras atenções.

– Visitou reclusos e reclusas declarando suavemente, mas com clarividência certeira, que os reclusos apenas perdem o direito à liberdade, nunca à dignidade.

– Visitou refugiados e ele próprios os acolheu no Vaticano.

– Aproximou os Estados Unidos e Cuba, de forma tão discreta que o mundo apenas soube disso depois da aproximação consumada.

– Perguntou em desafio de desacomodação à sua Igreja e ao mundo sobre quem seria ele, para julgar pessoas com orientação sexual diferente?

Tantos exemplos de verdadeiro acolhimento que o Papa Francisco tem dado ao longo destes seus anos de pontificado e ao longo de toda a sua vida como padre jesuíta e como bispo na Argentina.

Por fim, destacar a sua voz tenaz, coerente e contínua debruçando-se sobre assuntos de doutrina social da igreja, e por conseguinte, de direitos humanos, dando voz a tantas causas e a tantas pessoas a quem os mais básicos direitos humanos são privados. É um líder religioso que procura fazer dos excluídos, os eleitos. Fá-lo nas encíclicas que já publicou, fá-lo nas viagens, fá-lo do altar de Santa Marta, fá-lo da janela do vaticano, fá-lo nesta mensagem do dia mundial da paz, fá-lo na sua vida. É essa coerência que tenta viver que nos mostra a todos, que podemos ser também trabalhadores de direitos humanos, pertençamos a religiões, a partidos, a associações, à nossa família e à nossa comunidade. Todos podemos ser defensores de direitos humanos.

 

Pedro A. Neto, diretor executivo da Amnistia Internacional Portugal, também escreveu para o DNPJ uma análise/comentário sobre a mensagem ‘A não-violência: estilo de uma política para a paz‘ do Papa Francisco para o 50.º Dia Mundial da Paz, que se celebra a 1 de janeiro de 2017Ler em https://goo.gl/uu2kph

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