Miguel Oliveira Panão
Professor Universitário

Um dos alimentos mais cozinhados em Portugal é o arroz. Basta pensar naquele arroz de pato que comemos um dia e que nunca iremos esquecer… Mas será que pensámos naquele bago de arroz que deixámos no prato? Quantos bagos não foram para o lixo de cada vez que fizemos arroz em casa para acompanhar uma refeição?

Façamos umas contas. Em Portugal existem sensivelmente 75000 restaurantes. Por dia, se pelo menos 10 pessoas pedirem um prato de arroz e deixarem 1 bago no fim da refeição, fazendo as contas para a quantidade de arroz que uma criança poderia comer por dia para suprir as suas necessidades básicas, o desperdício daria para alimentar 40 crianças. E isto apenas em Portugal. Parece pouco? Bom, eu penso que bastaria que alimentasse diariamente uma criança e seria matéria suficiente para nos ajudar a refletir.

No dia 16 de outubro deste ano (2016) celebrou-se o dia mundial da alimentação. Desde o início do seu Pontificado que o Papa Francisco nos alerta para a importância de contradizer com o quotidiano da nossa vida a “cultura do descartável”, do desperdício. Disse a 5 de Junho de 2013 que:

Rome, Italy, 13 June 2016 Photo: WFP/Giulio d'Adamo

Photo: WFP/Giulio d’Adamo

Esta cultura do descarte tornou-nos insensíveis também aos desperdícios e aos restos alimentares, que são ainda mais repreensíveis quando em todas as partes do mundo, infelizmente, muitas pessoas e famílias sofrem devido à fome e à subalimentação. Outrora, os nossos avós prestavam muita atenção a não descartar nada da comida que sobejava. O consumismo induziu-nos a habituar-nos ao supérfluo e ao esbanjamento quotidiano de alimentos, aos quais às vezes já não somos capazes de atribuir o justo valor, que vai além dos meros parâmetros económicos. Mas recordemos bem que a comida que se descarta é como se fosse roubada da mesa de quem é pobre, de quantos têm fome! Convido todos a reflectir sobre o problema da perda e do desperdício de alimentos, para encontrar caminhos e modos que, enfrentando seriamente tal problemática, sejam veículo de solidariedade e de partilha com os mais necessitados.

Três anos depois e o convite mantém-se. A minha pergunta é: o que falta realmente para mudar alguma coisa? Lembro-me da oração de um Padre Francês, Guy Gilbert, que tinha como missão acompanhar o jovens nas noites de Paris e aí evangelizar com gestos concretos. Rezava ele “dai pão a quem tem fome e fome a quem tem pão”. Pelos anos, de cada vez que partilhava esta oração com alguém, mesmo se Cristão, sentia um olhar de escândalo e sempre me perguntei porquê. Creio que a dificuldade está em saber-mo-nos fazer um com o outro. Usualmente só adquirimos sensibilidade para as situações difíceis da nossa vida quando as experimentamos no concreto. Alguma vez tiveste fome e nada para comer? O que sentiste? Se sim, sabes bem o valor que tem um bago de arroz. Se não, precisas de experimentar a fome para a entender? Creio que não.

“Fazer-se um com o outro” significa fazer nossos os desejos, alegrias, sucessos, necessidades, tristezas e falhanços dos outros. Se o outro se ri, rio também. Se chora, choro também. Se me ganhou a um jogo, alegro-me pela sua vitória, e na reciprocidade, ele moderará a sua alegria para se entristecer com a minha derrota, fazendo-se um comigo também.

O combate ao desperdício faz-se num jogo de amor recíproco, onde a relação com o outro tem o primeiro lugar. Serão preciso coisas grandes? Grandes manifestações, iniciativas, conferências, workshops? Também, mas a maior influência num jogo de amor está no concreto de cada dia, perante cada pessoa que encontro, cada atitude que tomo, não importa se pequena e simples. Uma vez vi num programa do Masterchef Australia um restaurante que fazia dos desperdícios de alimentos de restaurantes de topo (cascas de batat, cenoura, etc), pratos gourmet da maior qualidade. Só o tempo permite conhecer os limites da criatividade humana. Mas uma coisa é certa “grão a grão enche a galinha o papo”. Identifica os “grãos”, “bagos”, “cascas de batata” que podes aproveitar no teu dia-a-dia e dá largas à imaginação, agindo.

Miguel Oliveira Panão
Professor Universitário

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