A irmã Kelly Patrícia desde que descobriu que “o essencial na vida é Deus” não quis “perder mais tempo com outras coisas” e entregou-se “totalmente a Ele”.

A música apareceu cedo na sua vida e através deste “dom” recebido por Deus a sua vocação não tem “outra motivação a não ser fazê-Lo conhecido, Amado e Adorado”. Os prémios que já recebeu são uma forma de “saber” que atingem “o objetivo da evangelização”, e, desde 1991 até 2014, a sua discografia é composta por quatro cassetes, 14 cd’s e dois dvd’s.

A religiosa brasileira é a fundadora do Instituto Hesed, em Fortaleza (30 de novembro de 1997), com a irmã Jane Madeleine. Hesed é uma palavra hebraica que significa “misericórdia” e esta comunidade religiosa dedica a sua vida à oração e têm ainda mais “dois aspetos fundamentais”, o trabalho e vida fraterna.

A irmã Kelly Patrícia vai regressar a Portugal para um concerto solidário este sábado, dia 23 de janeiro, pelas 21h00, na igreja (Nova) de Almada, na Diocese de Almada, no âmbito da Jornada de Oração pela paz e Cristãos Perseguidos da Fundação Ajuda à Igreja que Sofre.

Evangelização pela música

DNPJ – Começou a tocar e a cantar na sua paróquia na cidade de Fortaleza. Como é que do coro paroquial passou para uma vida dedicada à música de inspiração cristã e à gravação de discos?

Irmã Kelly Patrícia (KP) – Aprendi a tocar violão aos 13 anos e então fui chamada a tocar na minha paróquia. Algum tempo depois tornei-me vocacionada do Carmelo Descalço e, lendo os escritos do santos carmelitas, suas poesias, os escritos espirituais de Santa Teresa de Ávila e São João da Cruz, entre outros, vinha-me ao coração e à mente colocar uma melodia. Eu queria decorar tudo o que eles diziam, principalmente as poesias de nosso Pai São João da Cruz, porque toda a sua doutrina está contida nas suas poesias. A maioria dos seus escritos foram explicações de suas poesias; então eu queria decorar e, colocando melodia, era mais fácil. E, é claro, poesia e música têm tudo a ver – então comecei a musicar aquelas palavras lindas de São João da Cruz para Nosso Senhor.

Como estava próximo do centenário de São João da Cruz, a Priora do Carmelo da minha cidade, do qual era vocacionada, pediu que eu gravasse um K7 para divulgar entre os Carmelos. Alguns membros da Comunidade Shalom ajudaram na gravação, gostaram muito, e pediram para divulgar o trabalho além dos Carmelos – assim começou o meu chamado para evangelizar não só na paróquia, mas onde Nosso Senhor me chamasse.

DNPJ – Para além de cantora é compositora. O que caracteriza as letras das suas músicas? De onde vem a sua inspiração?

KP – Na verdade eu sou compositora mais de melodias do que de letras. Como estava dizendo, em geral as letras são de autoria dos santos – eu faço “parceria” com eles. Porém, de vez em quando, a gente tem uma inspiração do Espírito Santo e compõe alguma letra, aqui e ali, mas na maioria das vezes são compostas as melodias, para divulgar uma das riquezas da Santa Igreja que é a doutrina dos santos.

DNPJ – Musicalmente, quem a inspira? Quais são as suas referências?       

KP – Bom, no meu período de infância eu escutei muito as músicas do Padre Zezinho, que é uma referência aqui no Brasil e eu sei que no exterior também. Além dele, foi importante também o Padre Jonas, que vinha sempre aqui em Fortaleza para um grande evento chamado “Queremos Deus”.

Assim, as minhas fontes de inspiração e motivação, que me ajudaram muito na minha caminhada espiritual com suas músicas, foram esses dois sacerdotes: Padre Zezinho e Padre Jonas.

DNPJ – A edição da primeira K7 foi a concretização de um sonho. A irmã continua a viver esse, o que a motiva?

KP – O que continua a me motivar nisso é Nosso Senhor, porque eu não tenho outra motivação a não ser fazê-Lo conhecido, Amado e Adorado.

Nessa vida tudo é uma ilusão, só Deus é, Só Deus basta, como diz Santa Teresa. Não quero guardar este tesouro, que um dia descobri na minha vida, só para mim. Se tenho este dom de cantar então gostaria que as pessoas conhecessem Nosso Senhor, usando também este dom que Ele mesmo me deu.

Ir Kelly Patricia (2)

DNPJ – Na sua opinião qual a importância que a música assume na sua evangelização e na da Igreja, faz parte da Nova Evangelização?

KP – A música sempre fez parte da Igreja, como o canto gregoriano, no contexto da liturgia. Como meio de evangelização a música é uma realidade moderna, ainda mais se pensarmos no mundo hoje, onde a música é usada praticamente em todos os momentos da vida de um ser humano. As pessoas gostam de estar escutando algo e, por isso, evangelizar através da música é um bem que podemos fazer, é um som em meio a tantos outros que leva a um bem maior, que é o encontro com Deus, que leva a pessoa a desejar algo que é o contrário ao barulho do mundo, e acaba levando depois ao silêncio para escutar o Verbo de Deus.

DNPJ – Em 2010 foi lançado o álbum “Busca de Deus”. A música de inspiração cristã é um dos meios de hoje chegar também aos jovens? Qual a música que mais lhe pedem desse CD?

KP – Eu acredito que é um dos meios que mais chega aos jovens, porque eu vejo muitos frutos. Eu canto em vários estilos; aqui no Instituto Hesed, como religiosos, cantamos o canto gregoriano na liturgia em vários momentos, cantamos cantos litúrgicos. Como evangelizadora eu também canto em vários estilos, desde o popular, ao mais sacro, bem como no estilo pop rock, que é o do “Busca de Deus”, que foi lançado em preparação para a Jornada Mundial da Juventude de Madrid.

Às vezes perguntam: – Mas o seu estilo inicial, o primeiro, já não alcançava os jovens? Sim, alcançava aos jovens, é verdade; muitos jovens disseram que através daquele estilo de música, do modo de cantar, foram tocados por Deus. Mas também é verdade que muitos ainda não tinham sido alcançados. Através deste estilo pop rock, nós “fomos pescar em mar aberto”, como um amigo meu costuma dizer, para alcançar outros jovens que gostam de outros estilos. Com isso realmente vemos os frutos nos testemunhos das pessoas e dos jovens, principalmente na música mais pedida, chamada Tentação – dela existem testemunhos muito belos, inclusive relacionados ao clipe que está no YouTube.

DNPJ – A irmã Kelly Patrícia também já recebeu prémios, que importância assumem neste seu serviço à Igreja?

KP – Nós ganhamos prémios, mas é claro que isto não tem muito valor para minha vida espiritual. Como o mundo valoriza muito as premiações, esse é também um modo de sabermos que estamos atingindo o objetivo da evangelização. Se ganhamos prêmios concedidos em sua maioria por meio de votação, e votação do povo, então isso quer dizer que a música está chegando às pessoas, que tem-lhes feito bem. Nesse sentido, é sempre gratificante ver o fruto do trabalho do Espírito Santo em nós.

DNPJ – Estamos em ano de Jornada Mundial de Juventude. O Brasil recebeu a última edição. A irmã e o Instituto Hesed vão participar nesta edição na Polónia? Como é que este encontro mundial é impulsionador para os jovens viverem a sua fé, sem ser apenas um momento no tempo?

KP – Não será possível participar deste edição da JMJ, mas estamos em acerto para participarmos de um evento que acontecerá em São Paulo, JMJ Live, durante o mesmo período da JMJ na Polônia. Lá serão transmitidos em telões os principais momentos da JMJ na Polônia e haverá também programação ao vivo no local, buscando proporcionar aos jovens que não puderam ir para a Polónia uma experiência com Deus, em profunda unidade com os jovens que lá vão estar.

As Jornadas foram inspiradas pelo Espírito Santo a um papa que já é santo: o Papa João Paulo II. A jornada desse ano, na sua terra, no seu país, não é apenas um fato banal – com certeza dará muitos frutos. Cada jornada faz história na vida de um jovem, de uma pessoa; fizeram em mim, as jornadas nas quais participei.

Claro que, depois de vivenciarmos tudo isso, a palavra que fica é o chamado de Nosso Senhor convidando cada jovem à perseverança naquilo que ouviu de Nosso Senhor, através do pastor, através de todos os encontros com outros jovens, que vivenciam sua experiência com culturas e pensamentos diferentes, com tanta riqueza. Fica então a perseverança naquilo que se aprende, naquilo que Nosso Senhor nos passa e ensina através desta experiência de Jornada Mundial.

Portugal e o concerto solidário pela paz e pelos cristãos perseguidos

DNPJ – É a primeira vez que vem a Portugal, o que sabe/conhece do país?

KP – Não é a primeira vez que vou a Portugal, já fui outras vezes, estive em Fátima duas vezes, e sempre foram experiências muito ricas. Claro que não sei tanto sobre Portugal, embora o Brasil tenha sido colonizado por essa ilustre nação. Tenho grande gratidão a Portugal por nos ter trazido a fé católica; mas, para mim, o que sempre me marca quando penso em Portugal é, sem dúvida, Fátima. As aparições de Fátima têm para mim uma importância muito grande, as mensagens, a preparação para a vinda de Nossa Senhora, as aparições do Anjo, o chamado à expiação e à reparação aos Corações de Jesus e Maria, e o chamado à adoração. Inspira-me muito a inocência dos videntes Jacinta, Francisco e Lúcia. Fátima tem uma importância muito grande na minha vida espiritual.

DNPJ – O que é que os portugueses podem esperar no concerto do dia 23 de janeiro, em Almada? O que está a preparar?

KP – O que podem esperar, o que eu espero junto a vocês, é que o amor e a misericórdia do Senhor sejam derramados nessa noite, e que não só eu, mas que todos que vão participar possam também ser instrumentos, e que possamos estar abertos à ação de Deus. É com muita alegria que vamos partilhar esse momento, porque cada pessoa é um presente de Deus, cada pessoa que estará lá para ouvir aquilo que Nosso Senhor tem a falar. Eu procuro abandonar-me nas mãos de Nosso Senhor, para que Ele faça em mim e em cada um que lá estará.

DNPJ – Um concerto solidário pelos cristãos perseguidos, na vocação de São Paulo. É urgente rezar e continuar a alertar para esta realidade, como acontece com a atual crise de refugiados de África e do Médio Oriente?

KP – É um clamor urgente. Embora eu aspire muito ao martírio, a graça do martírio é sem dúvida um grande privilégio, é seguir o caminho dos apóstolos e assemelhar-se em tudo a Nosso Senhor. Temos que defender o direito do cristão de viver sua fé com liberdade, de viver esta alegria que é Cristo Jesus.

“O Deus em quem vivemos nos movemos e somos”, como escreve São Paulo, em muitos lugares não pode ser cultuado publicamente – isso é muito injusto – e aquele que professa a fé cristã pode ser até levado a morte. Assim, é urgente rezarmos e fazermos o que for possível para que Deus não seja privado dos corações humanos, e mais ainda, que o coração humano não seja privado de Deus, não seja obrigado a ser privado de Deus.

DNPJ – Na sua opinião o que podem fazer mais os cristãos?

KP – A principal coisa a ser feita é a oração e o sacrifício, os dois unidos como diz Santa Teresa: “Oração e vida regalada não se combinam” – a oração unida ao sacrifício, unidos são uma força poderosa.

A oração, para mim, pode mudar muitas realidades. Na minha vida no Instituto Hesed, que é especialmente contemplativa, percebo o poder e a eficácia da oração e do sacrifício; então, em primeiro lugar, a oração e o sacrifício. Os padres que vêm pregar para nós no Instituto dizem muitas vezes: – Vocês pensam que uma guerra é impedida nos locais de governo, naqueles países, não! A guerra é impedida dentro dos mosteiros, onde se faz oração e penitência. As coisas ruins do mundo podem ser mudadas, creio, principalmente pela oração, mas também com atos concretos, que cada um pode fazer, ou que cada sociedade ou país pode fazer para concretamente mudar o coração do homem, que às vezes se fecha e se torna egoísta, que só pensa em si. Deus é muito mais que isso.

Ano da Vida Consagrada

DNPJ – Como foi o seu chamamento à vida religiosa?

KP – Meu chamado à vida religiosa foi bem cedo, embora no início eu não queria ser religiosa. Porém, logo que comecei a participar do grupo vocacional, entendi que o essencial na vida é Deus, e não quis mais perder tempo com outras coisas a não ser em me entregar totalmente a Ele.

DNPJ – Como surgiu a oportunidade de fundar o Instituto Hesed e porquê a identificação com a espiritualidade carmelita?

KP – Em 1997, depois de uma peregrinação aos Santuários Marianos e outros santuários da Europa, que incluiu Fátima, Nosso Senhor falou bem claro sobre a fundação à nossa Madre Jane, que é a madre fundadora e superiora geral do Instituto Hesed. Foi nessa peregrinação que eu a conheci e, em Medjugorje (Bósnia-Herzegovina), Nosso Senhor nos falou desta nova vocação na Igreja.

Quando voltamos ao Brasil, começamos a rezar juntas, fazer penitência e, com a ajuda do diretor espiritual, fomos entendendo que Nosso Senhor queria nos contar um segredo, que seria a fundação de um novo Instituto, segredo este que Ele queria também contar à Igreja, através de nós, eu e a Madre Jane, pobres mulheres e ruins. A espiritualidade do Carmelo é forte na vocação Hesed porque, tanto eu como a Madre Jane, desde o início, temos nossas raízes de espiritualidade fundamentadas pelos santos carmelitas: Santa Teresa de Ávila, nosso pai São João da Cruz. “No entardecer da vida seremos julgados pelo amor” – a base do Instituto foi todo este amor do qual nosso pai São João da Cruz fala e nossa Santa Madre Teresa falam, do qual Santa Teresinha tanto fala, deste amor misericordioso. Mais tarde, Nosso Senhor revelou o nome do Instituto como sendo amor, como sendo Misericórdia, que em hebraico diz-se “Hesed”.

Com isto fomos entendendo muito mais, entendendo o porquê de estar a espiritualidade carmelitana nas origens da fundação no nosso Instituto Hesed. Tudo está baseado no amor: “as misericórdias do Senhor eternamente eu cantarei”, dizem Santa Teresa d’Ávila e Santa Teresinha, cada qual a seu tempo. Nós agora, nestes tempos, continuamos com esta vocação de cantar o Amor e a Misericórdia de Deus.

DNPJ – Como é a vida das irmãs e dos irmãos nos vossos conventos?

KP – O centro da nossa vida é a oração. Diariamente nos nossos conventos temos Santa Missa, adoração ao Santíssimo Sacramento, a oração da Liturgia da Horas, o Santo Rosário, entre outras orações. Outros dois aspectos fundamentais são o trabalho e vida fraterna. Estes são os três pontos que guiam a vida cotidiana em nossos conventos.

DNPJ – Estamos quase a terminar o Ano da Vida Consagrada. Para si qual a importância deste ano, como o viveu? E que oportunidade foi esta de um ano especial dedicado às diversas formas de vida religiosa/consagrada?

KP – A vida consagrada na Igreja é uma grande riqueza, porque nós somos um prelúdio, uma janelinha do Céu – acredito que a vida consagrada é como uma janelinha do Céu, porque nos propomos, por meio dos conselhos evangélicos, a viver aquilo que Nosso Senhor diz que será vivido no Céu.

No Céu os seres humanos não casam e não se dão em casamento, mas vivem como anjos. Nós vivemos já como cidadãos do Céu, pois a vida religiosa é uma vida profética. Quando se vê um religioso ou uma religiosa na rua já se deve lembrar do Céu, e dizer a si mesmo: – Meu Deus, como eu estou me preparando pra ir pro Céu?

O ano da vida consagrada é muito importante, e tem sido vivido por mim e pelos irmãos e irmãs do Instituto Hesed como um chamado a retornar ao primeiro amor, a afervorar a nossa vocação de ser exatamente este sinal profético no mundo, um sinal celeste nesta terra.

DNPJ – Em concreto como é que o Instituto Hesed viveu este ano?

KP – Além de termos vivido um retiro com um sacerdote colombiano, que aprofundou o tema connosco, buscamos viver este chamado a retornar ao primeiro amor, fazendo um exame de consciência de como temos vivido esta riqueza e este chamado sublime que Nosso Senhor nos fez, a nós, irmãos e irmãs do Instituto Hesed, um chamado à fidelidade, e a vivê-lo com fidelidade.

(Fotografias facebook: Instituto Hesed e Ir Kelly Patrícia)

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