por Teresa Folhadela
das Equipas de Jovens de Nossa Senhora

Este ano, o Papa Francisco lança este apelo na sua mensagem para o Dia Mundial do Migrante e Refugiado, que celebramos no próximo domingo.

Antes de mais, torna-se importante ler o que o Santo Padre nos quer dizer a todos. Esta mensagem não é apenas para aqueles que de uma maneira ou de outra se cruzam pelas suas missões, trabalhos, etc com a vida destes nossos irmãos. É uma mensagem para todos e por isso não avances neste texto sem ir primeiro a este (mensagem do Papa).

Há exatamente um ano atrás, estava em Lesbos, a ilha onde desde 2015 chegam incessantemente, pessoas fugidas de tantos lugares de conflito, cheios de esperança e com imensa vontade de recomeçar. Esta pequena ilha da Grécia, no mar Egeu, é um porto de tantas vidas, que saídas de contextos difíceis como a guerra, a tortura, e as difíceis condições de vida dos seus países procuram nesta nossa Europa: colo e descanso.

Gostava só de contar que antes de ir em missão estive a fazer um discernimento sobre o porquê. E dizer que vale a pena pensar na vida, e tomar decisões em Jesus. Por isso, ouvi Jesus a falar-me e a convidar-me para ir para a Grécia. E não foi “uma voz no meio das nuvens”, foi na minha vida no hospital (trabalhava como enfermeira num bloco operatório, no Porto) que Ele me chamou a ir. Através de uma comunhão grande com o nosso Papa Francisco percebi que os nossos irmãos refugiados precisavam de um par extra de mãos e pés para ajudar lá.

Em Setembro de 2018, comecei uma missão de quase dois meses com a Plataforma de Apoio aos Refugiados – PAR, no campo de Kara Tepe, um dos três campos de Lesbos, onde um grande número de famílias vive a sua transição para a Europa.

O lema da PAR é “cuidar da espera”. Isto, é muito interpelador, porque o verbo esperar, na sua origem, está associado a palavras como “ter esperança, contar com,confiar em” e é exatamente isso que somos convidados a fazer nesta missão. Levar a esperança e o colo a quem disso necessita. Mas não pensemos que estamos a ser espetaculares ou super-heróis. É importante saber que estamos apenas disponíveis para os irmãos.

Em Lesbos somos convidados a ser amor e colo para todos quantos nos cruzamos, temos de ser acolhimento e amor a todos os que já não tem porque estão num sítio duro, sem as condições que sempre tiveram.  Estes irmãos refugiados são muito mais parecidos connosco do que as nossas ideias pré feitas imaginam. Também passavam férias, tinham carro, andaram na faculdade, mas agora já não. Como diz a música, é muito mais aquilo que nos une do que o que nos separa.

Viver uma missão junto destes irmãos é de uma graça infinita. Mas é muito importante perceber lá e cá que não se vai ajudar os pobrezinhos. Vamos ajudar os irmãos. São os meus irmãos!

Foto: PAR – Plataforma de Apoio aos Refugiados

 

E por isso tenho de amar tanto como amo os meus pais, o meu irmão e os meus amigos. E perceber que não somos nós grandes que vamos ajudar mas que temos de nos fazer pequenos: temos de sofrer com eles quando choram connosco com saudades de casa, tem de doer quando nos dizem que na escola lhes disseram “volta para o teu país”, tem de comover quando nos vem pedir para irmos a casa deles, que na verdade é um contentor, mas que é a casa deles! Sem medo de chorar.

Também temos de nos alegrar tanto quando têm o carimbo preto que os permite ir para Atenas. Temos de ficar tão felizes por eles, como quando os nossos amigos nos dizem que vão casar ou entrar para o seminário.

Não há outra forma de estar num campo como Kara Tepe, que dar corpo e alma à missão. É tocar as feridas, é tocar as misérias dos outros e tocar as minhas próprias misérias, os meus preconceitos. É pedir a Jesus que fala no meu coração um modo de amar igual ao Seu, porque às vezes é mesmo duro e por isso pedir também a Jesus a graça de amar como Ele. E Jesus nunca disse dai pão só a quem tiver documentos.

É entregarmo-nos a uma missão que não é só fazer, fazer, fazer, é olhar como Jesus olha, é tocar como Jesus toca, é dar nome ao que nos vai por dentro. É dizer Jesus não consigo mais amar, tens de transformar-me. É perceber que: “o amor põe-se mais nas obras do que nas palavras” não é uma frase bonita, é um convite a uma conversão. É viver coração a coração com os nossos irmãos.

Nos dias difíceis, e apesar de nos instagrams desta vida, parecerem sempre dias óptimos cheios de sorrisos, a maior parte dos dias são duros, intensos e difíceis…

Rezei assim muitas vezes: “neste vale de lágrimas, mostrai-nos Jesus, bendito fruto do vosso ventre”. Às vezes é rezar como Nossa Senhora só em silêncio, sem perceber, mas a guardar tudo no nosso coração. Pedir a Jesus que nos mostre Ressurreição nesta sexta-feira da Paixão que tanto vivemos. E Ela chega.

Chega um Cristo a sorrir na cruz. Chega o Amor de Deus, as lições de resiliência que nos dão, chega-nos pelos casamentos felizes e cheios de devoção que se vivem lá, chega-nos pela quantidade de europeus voluntários que estão lá, chega-nos pelo amor dentro daquelas famílias, chega-nos pela responsabilidade que tem uns pelos outros, pela forma como se respeitam os mais velhos e como nos recebem nas suas “casas”.  Aí há Jesus e o nosso coração enche-se porque achávamos que erámos nós, os super-heróis que íamos ajudar, mas somos nós que somos ajudados e aprendemos uma forma de amor que já sabíamos que existia, mas que nunca tinha sido vivida.

E por isso vivo serena que deixei tudo lá, dei-me profundamente, amparada pelo Meu Senhor e pelo Meu Amigo que transformou o meu coração e que me faz viver um amor e uma liberdade profunda. Não é fácil voltar, não estar a ser, mentiria se dissesse que é óptimo. Mas volta-se com outro valor às coisas. Valor a um país que nos protege, valor pela possibilidade de viver em Paz. Volta-se a perceber que se pode viver a pobreza e a ajuda aos nossos irmãos desde cá, que a missão agora é dar testemunho, falar sobre o assunto e não o deixar esquecido. Volta-se a saber que a dureza da missão não há nenhuma máscara ou filtro do instagram que esconda.

Voltar serena é perceber que quem semeia com lágrimas recolhe com alegria, como se rezava no salmo da última missa na pequena Igreja de Lesbos, onde o coro mais bonito de todos, era feito com as lágrimas de tantos cristãos que ali iam buscar força para este caminho que fazem agora na Europa, e pelo qual todos precisamos de rezar e nos envolver, porque não são apenas migrantes são os nossos irmãos.

Papa Francisco na Ilha de Lampedusa (2013) – Cruz da madeira de uma das embarcações usadas pelos migrantes

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