E a voz prosseguia, serena, a narração dos últimos tempos (que já são anos), detendo-se, a custo, naquele ponto onde seria natural uma lágrima. Nela e, quem sabe, também em mim. De dor, pensei depois, mas simultaneamente de alegria profunda: ou não seria por ela, lágrima, que ao cinzento da situação assomava um vislumbre de luz, tal arco-íris que o encontro com um simples raio de sol pode provocar?
Mesmo sem esse nome, percebi haver ali Natal. E, mesmo sem o dizer, foi espontâneo pensar como no Natal “Deus veio habitar nos nossos limites”: no limite da situação daquela mãe mas também no limite da situação de cada um dos filhos. Sim, Deus habita ali, como que em gruta mas onde se percebe uma saída, um ponto de luz. Habita no esforço corajoso desta mãe como no empenho compreensivo de cada um dos filhos. Habita em cada um e habita naquele “entre eles”, espaço preferido para o Seu estar connosco: porque habita na partilha tanto das soluções procuradas e encontradas como da ausência de respostas; na transparência do ser, em cada conta ou cêntimo que se põe em comum, na conjugação do “eu” com o “tu” – “ele” – “nós”!
Compreendi então melhor a esperança que o Natal é. E o Natal que acontece em cada gesto e passo de esperança assim vivido. Entendi como mesmo sem assim o chamar, estava ali um Menino – Deus, início de humanidade renovada. A esperar de mim apenas a minha parte, de lágrima ou de luz, já não sei, para que simplesmente pudesse crescer… o Menino, a Humanidade, cada um de nós. E na saída de mim – para um telefonema, uma mensagem, a entrega daquele CV, a disponibilidade para atender o filho… – encontrei a esperança: mora no meio de nós que o dom de si mesmo cria, no meio de quantos nos dispomos assim a conjugar o “eu” no “nós” onde encontramos o outro, que depressa reconhecemos Outro a conduzir-nos, Humanidade.
P. António Bacelar | diocese do Porto | DNPJ