P. Pedro Fernandes, CSSp
Congregação do Espírito Santo (Espiritanos)
Mais uma vez, é Pentecostes! E de novo ouvimos falar do Espírito Santo, na Liturgia lhe pedimos que venha… Mas talvez corramos o risco de sermos um pouco como os cristãos de Éfeso que disseram, quando Paulo lhes perguntou se tinham recebido o Espírito Santo, que “nós nem sequer ouvimos dizer que existe o Espírito Santo” (At 19,2). Quanto a nós, até já ouvimos dizer… mas qual é realmente o lugar que ocupa o Espírito de Deus na nossa vida?
Muitas vezes, se nos perguntam, limitamo-nos a dizer que o Espírito Santo é a terceira Pessoa da Santíssima Trindade, talvez porque afinal sabemos muito pouco deste “Espírito Santo”! A Bíblia usa diversas imagens para se referir ao Espírito: fala-nos dele como de uma pomba (Mt 3, 16), presente no Batismo de Jesus; ou como de uma sombra (Lc 1,35), que veio sobre Maria para que Deus se fizesse homem como nós. A Bíblia fala-nos ainda do Espírito como de pequenas línguas de fogo (Act 2,3), que vieram sobre os discípulos no dia de Pentecostes. Também nos fala dele como de um vento (Jo 3,8), que sopra sobre as pessoas para as renovar, para as fazer “nascer de novo”, para as ajudar a seguir Jesus a sério.
O YouCat recorda vários nomes atribuídos ao Espírito Santo: consolador, advogado, Espírito da Verdade… Todos estes modos de dizer, com imagens, algo sobre o Espírito de Deus não esgotam a Sua beleza e grandeza, mas remetem-nos precisamente para essa grandeza e beleza: no fogo, na água, na unção, no vento, encontramos imagens de movimento, força, refrigério, vitalidade, purificação, calor, aragem refrescante… reflexos da ação do Espírito de Deus em nós, modos de dizer o que Ele faz na nossa vida e as marcas de transformação que nela deixa.
De Deus só podemos dizer o que Ele nos disser de Si mesmo. E em Jesus Cristo, Deus quis mostrar-se inteiramente: sendo único e indivisível, Ele é também como uma família muito unida: o Pai ama o Filho com um Amor sem fim; e o Filho também ama o Pai com um Amor igual. Este amor é tão grande, tão forte, que Ele próprio é Pessoa divina, de tal maneira que podemos dizer que “Deus é amor” (1 Jo 4,8). O Espírito Santo, o Espírito de Deus que procede do Pai e do Filho, é o Espírito de Amor, de comunhão plena e verdadeira, em que amor e verdade se identificam sem separação nem tensão.
Foi este Espírito Santo, este Deus de Amor, que inspirou os profetas e todos os homens de Deus ao longo da história, para que fossem sensíveis aos sinais de Deus e se fossem preparando para o encontro com Cristo, a que todos os homens são chamados. Foi também o Espírito Santo que fez que Jesus viesse ao meio de nós, concebido por Maria. Foi ainda o mesmo Espírito que manteve Jesus sempre unido ao Pai, fazendo só o que Ele queria. E é este Espírito de Amor que nos une a Deus, fazendo-nos participar da Vida de Jesus, essa vida que Cristo veio oferecer a toda a gente. Por isso, é o Espírito Santo que vem sobre nós no Batismo, para nos fazer uma só família com Deus. Por essa razão é que dizemos que o Espírito Santo é a “alma da Igreja”: tal como Jesus, o Espírito é enviado pelo Pai para fazer de nós uma comunidade bem unida e viva, à imagem da comunidade que Deus é, em três Pessoas.
O Espírito de Deus nos consola, nos ajuda, nos ensina a seguir Jesus e a viver bem o mandamento do Amor. E qual é, afinal, o rosto do Espírito Santo? Somos nós próprios, em Igreja, claro está! Quando? Sempre que construímos a comunhão, sempre que nos reunimos para rezar, escutar a Palavra de Deus e celebrar os sacramentos, sempre que somos testemunhas do amor, do diálogo, da fraternidade, da união a Cristo, do serviço aos outros e do compromisso na construção de uma sociedade melhor. Numa palavra: o Espírito Santo fala ao mundo sempre que nós vivemos como cristãos a sério, em comunidades bem vivas e muito orantes e missionárias.
É por essa razão que o Espírito Santo, sendo um dom, uma oferta gratuita, nos traz também um desafio. Todos os presentes de Deus são entregues à nossa liberdade e comprometem-na: que fazemos deles? São como uma semente; como os deixamos germinar e frutificar? O Espírito Santo, sendo Deus que se oferece a Si mesmo para a nossa vida e crescimento, coloca-nos desafios importantes. Podemos reparar em alguns:
Desafio de comunhão
A Igreja não é uma simples organização ou instituição, como tantas (algumas tão boas!) que existem no mundo. A Igreja é família de Deus, é Corpo de Cristo, atualiza, concretiza a Sua ação no mundo. Num mundo marcado por injustiças e desigualdades inadmissíveis, a Igreja vive e testemunha a fraternidade e a igualdade radical de todos os seus membros. Num mundo cheio de violência e surdez de uns em relação aos outros, a Igreja manifesta a abertura, o diálogo, a experiência de crescer a partir do encontro com os outros: todos se constroem através do diálogo e do encontro recíproco. Num mundo que procura construir acordos e compromissos apenas a partir dos interesses e realidades estritamente humanas e temporais, a Igreja alicerça a sua comunhão em Deus, e entende que aquilo que mantém os discípulos unidos não são as afinidades apenas naturais (só com essas rapidamente nos dividiríamos!), mas o vínculo indestrutível que nos une a Deus e nos compromete a viver como Jesus viveu e nos inspira, pelo Seu Espírito: pelo perdão, pela aceitação do outro e das suas diferenças, pela valorização da diversidade como caminho de unidade. Num mundo cheio de preconceitos, racismo e intolerância, a ação do Espírito de amor compromete-nos a vencer as nossas próprias tendências egoístas, para, como Jesus, darmos a vida pelos irmãos.
Desafio de Verdade
No coração de todos os humanos arde um fortíssimo desejo de verdade. Como poderíamos orientar as nossas escolhas se não tivéssemos como critério “o que é melhor”, “o que é verdadeiro”? É verdade que, por razões complexas, a sociedade ocidental caiu num relativismo perigoso em que o Bem e a conveniência se misturam, em que verdade e opinião se confundem. Isso é perigoso porque deixa a liberdade sem critérios, sem referências. E uma liberdade assim é como um barco à deriva, sem leme, à mercê de todos os ventos até que o cansaço e a tempestade levem ao inevitável naufrágio. O Espírito Santo é o Espírito da Verdade: Jesus diz mesmo que é o Espírito Santo que nos explica a verdade completa (Cf. Jo 14, 17.28). Amor e Verdade não se podem separar e o Espírito Santo ensina-nos isso. Levar a sério uma vida dócil ao Espírito Santo é procurar a verdade de todo o coração, abrir-se a ela, já que na Igreja a verdade de Deus nos é oferecida gratuitamente, sem nunca se esgotar, sem nunca termos acabado de a compreender, aprofundar, perguntar, escutar. Não é uma verdade apenas intelectual, como qualquer certeza científica que possamos ter. É uma verdade que não apenas nos informa, mas sobretudo nos forma, quer dizer, nos faz ser seres humanos melhores. Não nos leva apenas à ciência, mas conduz-nos sobretudo à sapiência, a essa sabedoria que, vinda de Deus, nos torna capazes de gerir a vida de tal modo que esta seja uma verdadeira experiência da alegria, da vida, da paz que só de Deus pode vir.
Desafio de beleza
O Espírito Santo abre os olhos do nosso coração, e não apenas os da nossa mente. Faz-nos perceber a beleza íntima das coisas, a riqueza enorme que a vida encerra, como grande manifestação do ser de Deus. Pelos sacramentos e pela oração da Igreja, vivida em comunidade e também individualmente, o Espírito Santo torna presente nas realidades simples e pequenas a beleza infinita de Deus. Quando deixamos que o Espírito Santo nos guie, pouco a pouco vamo-nos libertando do pessimismo e acreditando mais na vida, nos outros, em nós mesmos. Deus acredita em nós! E não é porque seja ingénuo ou não saiba os trastes que às vezes nós somos! É mesmo por amor, um amor que nunca desiste do amado, que está sempre presente, para amparar, acompanhar, fazer crescer. O Espírito Santo é essa presença silenciosa e eficaz de Deus, dando eternidade ao nosso tempo e beleza infinita a todas as coisas que, abrindo-se à sua ação, se tornam sinal do infinito.
Desafio de missão
Cristo quer fazer de nós os seus braços para servir e abraçar, a sua boca para abençoar e anunciar, os seus pés a caminho. São as nossas mãos, os nossos pés, a nossa boca, os nossos olhos e ouvidos que tornam presente Jesus no nosso mundo, em cada tempo e em cada lugar. E como é que isso acontece? Pela ação do Espírito. Só por nós, o nosso coração é apenas o nosso coração. Mas pela ação do Espírito Santo em nós, se nós deixarmos, o nosso coração enche-se de Deus e torna-se de facto o coração de Deus no meio do mundo.
No Espírito e pela Sua força, somos enviados! Somos postos a caminho, vivendo unidos a Jesus, o enviado do Pai. Quanto mais unidos estivermos a Jesus, mais enviados somos. É a essa união-missão que se chama Igreja, é isso que somos. Sempre que deixamos que as nossas comunidades ou grupos se instalem ou fechem nos seus interesses privativos, estamos a asfixiar a vida de Deus em nós, estamos a negar o ser mesmo da Igreja, que é um ser missionário, pela força do Espírito. O Papa Francisco nos recorda isto amplamente, na sua exortação apostólica “A Alegria do Evangelho”: ele sonha com uma Igreja aberta, em saída, “numa opção missionária capaz de transformar tudo” (nº 27). É esta opção missionária que o Espírito Santo suscita em nós, se deixarmos. A Escritura e a tradição cristã falam-nos de sete dons, que são uma síntese da infinita quantidade de dons, capacidades, graças que o Espírito nos dá, para que os possamos por a render ao serviço dos outros. Os dons de Deus são como a semente de que nos fala Jesus: só produz fruto se não for guardada de modo egoísta, mas semeada e partilhada generosamente. Na lógica do Espírito de Amor, quanto mais damos, mais temos; quanto mais nos damos, mais somos; quanto mais morremos por amor, mais vivemos! Esta é a lógica da misericórdia: o coração aberto para acolher e para ir ao encontro. E a ação do Espírito Santo é assim: o coração de Deus aberto aos homens, para que os homens se abram a Deus e uns ao outros.
O grande milagre do acolhimento ao Espírito acontece sempre que o homem se torna dócil, disponível, a deixar-se instruir por Ele, que nos fala todos os dias, através das pequenas coisas da vida, através dos outros, através da infinidade de experiências humanas, que só o Espírito de Deus pode unificar e encher de sentido. Maria é a mais eloquente expressão desta disponibilidade: de coração inteiramente aberto à ação do Espírito, Maria acolheu o Verbo de Deus que n’Ela encarnou. O Seu Filho Jesus não era só para Ela: era para todos, em todos os tempos e lugares. Ela é o modelo e a inspiração desta docilidade ao Espírito, que faz acontecer Jesus Cristo, que nos configura com Ele e faz de nós Filhos de Deus. Filhos de Deus no Filho único de Deus, Jesus Cristo. É isso: o Espírito diviniza-nos! O Espírito faz de Deus homem e do homem Deus!
Francisco Libermann, um grande formador de missionários e uma grande testemunha da experiência da vida no Espírito, tem uma oração muito bonita, que diz esta disponibilidade interior ao Espírito Santo, para que Ele não seja apenas um tema de catequese, mas o motor mesmo da nossa vida, a nossa fonte e a nossa força. Podemos, preparando e vivendo o Pentecostes, rezar com Libermann esta sua oração:
“Santo e Adorável Espírito
Fazei-me escutar a vossa amável voz.
Quero ser para vós como leve pena
A fim de que o vosso sopro me conduza para onde quiser
E eu não lhe ofereça a menor resistência!”
E que Maria, a Senhora da escuta e da disponibilidade, no ensine a conhecer por dentro a maravilha da vida nova que só o Espírito Santo nos pode dar!
Padre Pedro Fernandes
Congregação do Espírito Santo (Espiritanos)