Octávio Carmo
Chefe de Redação da Agência Ecclesia, Vaticanista

O relato das aparições marianas na Cova da Iria, em 1917, e a devoção dos portugueses pela ‘Senhora da Fátima’ estão desde o seu início ligados à figura do Papa.

Bento XV, Papa entre setembro de 1914 e janeiro de 1922, é a referência abstrata dos Pastorinhos quando estes falam e rezam pelo “Santo Padre”; o pontífice que viveu a I Guerra Mundial tinha enviado uma carta aos bispos de todo o mundo, uma semana antes do 13 de maio de 1917, para que fizessem uma invocação a Nossa Senhora a Paz.

“Queremos que à Grande Mãe de Deus, nesta hora terrível, mais do que nunca se dirija vivo e confiante o pedido dos seus filhos aflitíssimos”, lia-se na carta assinada no dia 5 de maio de 1917.

O primeiro gesto de aproximação e devoção dá-se com Pio XI, em 1929, com a chamada ‘aprovação implícita’, quando este distribui aos alunos do Colégio Português, em Roma, estampas da Virgem de Fátima com a invocação “Mãe clementíssima, salvai Portugal”.

A 9 de janeiro de 1929, Pio XI recebeu em audiência os alunos do Pontifício Colégio Português de Roma. No final do encontro, leu em português a invocação referindo ter recebido as estampas naquele mesmo dia, vindas de Portugal, e distribuindo duas por cada aluno.

As estampas, com a imagem de Nossa Senhora de Fátima, tinham sido impressas pelo Apostolado da Imprensa e exibiam o ‘imprimatur’ do bispo de Leiria, D. José Alves Correia da Silva, datado de 17 de maio de 1926.

Ainda em 1929, a 6 de dezembro, o Papa Pio XI benzeu uma imagem de Nossa Senhora de Fátima destinada àquele Colégio de Roma; a imagem tinha sido esculpida pelo mesmo autor daquela que se encontra na Capelinha das Aparições, José Ferreira Thedim.

A 1 de outubro de 1930, o Papa Pio XI concede indulgências plenárias aos peregrinos de Nossa Senhora de Fátima, ainda antes da publicação da Carta Pastoral do bispo de Leiria, na qual se consideram “dignas de crédito” as Aparições de Nossa Senhora relatadas pelos três Pastorinhos (13 de outubro de 1930).

Na Carta Apostólica Ex officiosis litteris, de 1934, o Papa atestava “os extraordinários benefícios com que a Virgem Mãe de Deus acabava de favorecer” Portugal.

À entrada da Basílica de Nossa Senhora do Rosário, por cima da porta principal, encontra-se um mosaico que representa a Santíssima Trindade a coroar Nossa Senhora, obra das oficinas do Vaticano, no pontificado de Pio XI, que foi abençoado pelo cardeal Eugénio Pacelli.

O futuro Papa Pio XII, cujo pontificado atravessou a II Guerra Mundial, foi o primeiro pontífice a ser chamado “Papa de Fátima”, tendo consagrado a dimensão universal da mensagem transmitida na Cova da Iria, em 1917.

Em 1940, XII referiu-se a Fátima pela primeira vez num texto pontifício oficial, a encíclica ‘Saeculo exeunte octavo’, escrita para exortar a Igreja em Portugal a aumentar a sua atividade missionária. “Que os fiéis não esqueçam, especialmente quando rezarem o Terço, tão recomendado pela Santíssima Virgem Maria em Fátima, de pedir à Virgem Mãe de Deus que faça aparecer vocações missionárias, com frutos abundantes para o maior número possível de almas”, pedia o Papa italiano.

Em carta dirigida ao Papa Pio XII, a 2 de dezembro de 1940, a irmã Lúcia, a mais velha das videntes de Fátima, pedia que fosse atendido o pedido de Nossa Senhora, reafirmado em aparições posteriores na Galiza, para que fosse proclamada a devoção ao Imaculado Coração de Maria e a consagração do mundo, e em especial da Rússia, ao Coração de Maria.

A primeira posição oficial pública do Vaticano sobre Fátima acontece com Pio XII, em 31 de outubro de 1942, 25 anos depois das aparições: nessa data, em plena II Guerra Mundial, o Papa consagra o mundo ao Imaculado Coração de Maria. “A Vós, ao vosso Coração Imaculado, nesta hora trágica da história humana, confiamos, entregamos, consagramos não só a Santa Igreja, corpo místico de vosso Jesus, que pena e sangra em tantas partes e por tantos modos atribulada, mas também todo o mundo, dilacerado por exiciais discórdias, abrasado em incêndios de ódio, vítima de sua próprias iniquidades”.

Quatro anos depois, em 13 de maio de 1946, Pio XII enviou o cardeal Aloisi Masella a Fátima para coroar a imagem de Nossa Senhora.

A 13 de outubro de 1951, assinalando o final do Ano Santo jubilar, Pio XII associa-se à conclusão das celebrações marianas em Fátima.

As viagens dos Papas

As viagens internacionais dos Papas modernos são uma novidade que remonta à segunda metade do século XX, com o pontificado de Paulo VI (1897-1978). Portugal entraria na rota dessas visitas apostólicas logo na quinta viagem deste pontífice italiano, a 13 de maio de 1967, por ocasião do 50.º aniversário das aparições marianas, reconhecidas pela Igreja Católica, na Cova da Iria.

Paulo VI quis vir pessoalmente a Fátima, como peregrino, a 13 de maio de 1967, tendo decidido que o avião que o transportou desde Roma aterrasse em Monte Real, ficando alojado na então Diocese de Leiria (hoje Leiria-Fátima); além da homilia na Missa do 13 de maio, no 50.º aniversário das Aparições, Paulo VI teve outras seis intervenções.

João Paulo II, que a 13 de maio de 1981 tinha sido atingido a tiro na Praça de São Pedro, num atentado contra a sua vida, veio à Cova da Iria um ano depois, agradecer publicamente a intercessão de Nossa Senhora de Fátima na sua recuperação. Em maio de 1982, no aniversário desse primeiro atentado contra a sua vida, Karol Wojtyla (1920-2005) chegava a Fátima para “agradecer à Divina Providência neste lugar que a mãe de Deus parece ter escolhido de modo tão particular”; passou ainda por Lisboa, Vila Viçosa, Coimbra, Braga e Porto, ao longo de quatro dias (12-15 de maio), proferindo um total de 22 intervenções.

O Papa polaco voltou a Portugal nove anos depois: a 10 maio de 1991, João Paulo II celebrou Missa no Estádio do Restelo e viajaria depois para os Açores e Madeira, antes de centrar-se no Santuário de Fátima, nos dias 12 e 13 maio. Durante quatro dias, São João Paulo II proferiu 12 intervenções e enviou ainda uma carta, desde a Cova da Iria, aos bispos católicos da Europa, que preparavam uma assembleia especial do Sínodo dos Bispos, dedicada ao Velho Continente.

A 12 e 13 maio de 2000, já com a saúde debilitada, João Paulo II regressou a Portugal, para presidir à beatificação dos pastorinhos Francisco e Jacinta Marto; proferiu um discurso à chegada, no aeroporto internacional de Lisboa, a homilia na Missa do 13 de maio e uma saudação aos doentes reunidos na Cova da Iria.

Na mesma ocasião deu-se o anúncio da publicação da terceira parte do chamado “Segredo de Fátima”.

Bento XVI visitou Portugal de 11 a 14 de maio de 2010, para assinalar o décimo aniversário da beatificação de Francisco e Jacinta Marto, com passagens por Lisboa, Fátima e Porto. O agora Papa emérito falou aos jornalistas no voo entre Roma e Lisboa, a 11 de maio de 2010, para explicar que “uma aparição, ou seja, um impulso sobrenatural, não vem somente da imaginação da pessoa, mas na realidade da Virgem Maria, do sobrenatural”.

Em Fátima, depois de vários discursos e homilias, a imagem de marca foi um momento sem palavras: o Papa em silêncio, olhos fixos na imagem de Nossa Senhora de Fátima na Capelinha das Aparições. Na tarde de 12 de maio de 2010, Bento XVI entregou uma Rosa de Ouro ao Santuário de Fátima, tornando-se o primeiro Papa a fazê-lo pessoalmente em solo português.

No centenário das aparições, o Papa Francisco esteve na Cova da Iria a 12 e 13 de maio, para uma peregrinação em nome da paz, recordando os que estão nas periferias do mundo e os que sofrem, os sem-voz.

Da visita fica a imagem dos oito minutos que permaneceu em silêncio na capelinha, o percurso a pé antes da procissão das velas ou o acenar do lenço branco na procissão do Adeus. Para quem viveu esta viagem de perto, ficou claro que tudo na mensagem de Fátima encaixa nos valores do atual pontificado.

Octávio Carmo
Chefe de Redação da Agência Ecclesia, Vaticanista

(Imagem de destaque, ilustração de Nuno Quaresma, em Salesianos)

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