Em cada ano, começamos a Quaresma com a celebração das Cinzas. A liturgia propõe textos fortes, para quem tiver ouvidos para os escutar: o apelo a rasgar o coração (profeta Joel), a acolher a reconciliação como um dom de Deus (Paulo aos Coríntios), a viver na autenticidade os caminhos interiores (Evangelho de Marcos). Mais discreta, a antífona que o missal propõe para o cântico da comunhão desse dia: Aquele que medita dia e noite na lei do Senhor dará fruto a seu tempo. Uma frase tirada do primeiro dos 150 salmos que o povo judeu rezava e que Jesus também rezou.

Neste poema que é também oração, o justo, o homem sábio, é comparado à árvore plantada à beira dos riachos. Porquê a escolha deste texto e desta imagem para o início da Quaresma? Porque não um apelo ao arrependimento, ao voltar para Deus o coração, ao mudar de vida? Depois de textos tão fortes, de um gesto tão dramático como a imposição das cinzas, porquê a proposta deste versículo do salmo? O que tem que ver connosco, este justo que medita dia e noite e que não espera de imediato o fruto deste caminho?

A mim, este texto toca-me por relembrar como a Quaresma é um caminho de escuta paciente, de acolhimento da “espantosa realidade das coisas”, desse Deus que, como lembra o profeta Elias, se deixa escutar no sopro ténue de uma brisa. Nos caminhos interiores, não há pressas nem receitas. Como a árvore que pacientemente cresce e lança as suas raízes a uma profundidade cada vez maior, assim aquele que se dispõe a escutar e a acolher a vida com simplicidade aprende a descobrir nos seus dias os traços da passagem de Deus.

A árvore lembra que, nestas coisas de Deus, onde todos somos peregrinos e pessoas de escuta, à procura, a descoberta do essencial exige tempo. É a escuta paciente que permite as decisões firmes e corajosas. É o mastigar paciente da Palavra que pode fazer dela, cada vez mais, uma luz para os nossos passos. Nestas coisas não há fast food.

Regressar ao essencial, permanecer na escuta, ouvir o que Deus nos segreda no meio dos nossos dias, não é fácil. Estamos cheios de ruídos, stresses, imagens, palavras. O justo medita na lei do Senhor, na Sua Palavra, diz o salmo. O justo faz-se pobre, lembra-se faminto de algo maior. Como tantos outros, também nós somos gente sedenta: de verdade, de sentido, de relações plenas de humanidade e de bondade.

Fazer jejum, regressar a uma alimentação simples, partilhar, são formas de nos dizermos dispostos a procurar o essencial. Que, tal como o justo, queremos ser essa árvore que pacientemente lança as suas raízes para beber da água que corre nas profundidades. Sem pressas de obter logo os resultados, pois a árvore cresce devagar. Mas cresce… Nestas coisas de Deus, não há mesmo fast food…

João Luís Inglês Fontes

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