Manuel Morujão, sj
Histórias de anti-misericórdia abundam. Desde guerras e terrorismos à violência doméstica e de rua, sem falar de ódios e inimizades.
Jornais e telejornais, internet e redes sociais encaixilham estas desgraças que bradam aos céus. Felizmente abundam ainda mais histórias de heroísmo, discreto mas eficaz, que invertem a marcha do exército do mal, com as armas da bondade misericordiosa. Famílias que se amam, colegas que se perdoam, companheirismo com generosidade ilimitada, corações abertos sem lotação esgotada, onde todos cabem e se sentem em sua casa…
Se organizássemos umas Olimpíadas da Bondade, Jesus de Nazaré teria a medalha de oiro, porque arriscou tudo, até a própria vida, para redimir os eternamente desqualificados pelo pecado. Ora o Jesus que celebramos e comungamos na Eucaristia é exatamente o mesmo que encarnou, assumindo a nossa vida por inteiro, que foi amigo dos que eram tidos por não‑amáveis: pecadores com má fama e pior proveito, doentes e leprosos contagiosos, mulheres usadas por homens egoístas e publicanos corruptos. Jesus Cristo viveu a dar-se a todos os que precisavam de um coração hospitaleiro e amoroso. «Eu estou no meio de vós como quem serve», assim se autodefiniu.
É que a Eucaristia não é uma santíssima coisa ou uma preciosa relíquia. A Eucaristia é Alguém. É Jesus Salvador que se nos dá em comunhão. Mais nosso não pode ser Deus. A Eucaristia é Cristo, só Cristo, todo o Cristo e nada mais do que Cristo. A Irmã Lúcia, a quem Nossa Senhora apareceu em Fátima, assim reafirma o realismo da fé, ressaltando que Cristo está vivo e atuante na Eucaristia: «Na Eucaristia está Jesus vivo. Sim, vivo, porque pelo seu poder divino ressuscitou para não mais morrer, e com o Pai e o Espírito Santo permanece para todo o sempre». Sem a ressurreição de Cristo, a sua vitória sobre a morte, a Eucaristia não passaria de um ritual saudoso de um homem bom que passou a vida fazendo o bem.
Participar numa Missa, comungar Jesus eucarístico, é ir à fonte onde celebramos e recebemos o santíssimo, diviníssimo e humaníssimo sacramento de Cristo, que se entrega todo por nós, num presente de misericórdia amorosa, pois «ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos», por ti, por mim, por todos nós. Santo Agostinho, que teve uma juventude desnorteada, mas que depois se deixou converter a Cristo, afirmou: «A medida do amor é amor sem medida». É este desmedido amor misericordioso que recebemos na Eucaristia. Esta torna presente o ato supremo do amor misericordioso de Cristo. É uma atualização da doação, total e até ao fim, da vida do próprio Filho de Deus.
Mas a Eucaristia não pode ser vista como uma simples devoção alternativa para alguns corações mais fervorosos. A Eucaristia faz parte da definição essencial do cristão: quem não é eucarístico não é cristão. Porque a Eucaristia é Cristo, que deu esta ordem aos seus seguidores: «Fazei isto (ou seja, celebrai a Eucaristia) em memória de Mim». Como recorda o Catecismo da Igreja Católica: «A Eucaristia é o resumo e a súmula da nossa fé».
Mas a Eucaristia não pode ficar fechada dentro das quatro paredes de uma igreja. A Eucaristia, que celebramos e comungamos, é para ser praticada. Ir à Missa é peregrinar à fonte da misericórdia, tão divina quanto humana (não há ninguém mais humano do que Deus!). Recebemos Jesus, exemplo máximo de bondade misericordiosa, para depois o imitarmos em pensamentos, palavras e obras de misericórdia ativa. Assim nos exorta o querido Papa Francisco, que nos convocou para um especial Ano Jubilar da Misericórdia: «A Eucaristia, fonte de amor para a vida da Igreja, é escola de caridade e de solidariedade. A festa do Corpo de Deus inspire e alimente sempre mais em cada um de nós o desejo e o compromisso por uma sociedade mais acolhedora e solidária».
Sendo mais eucarísticos, seremos mais misericordiosos como o Jesus que comungamos. Assim construiremos um mundo melhor, uma Igreja como o mundo precisa.
Manuel Morujão, sj
O padre jesuíta Manuel Morujão coordena o grupo promotor do Congresso Eucarístico Nacional 2016 – ‘Viver a Eucaristia, fonte de misericórdia’ – que começa hoje em Fátima e termina este domingo dia 12.