Padre Tiago Veloso
Missionário Passionista

Era o dia 7 de setembro de 2008. A manhã estava quente na pacata vila de Barroselas, no Minho. Eu estava tranquilo e com o coração próximo de Deus: tinha vivido um ótimo ano de namoro/noviciado em Zuera, Espanha. E só queria estar com Ele.

Tudo começou uns anos antes, muito antes. No dia 16 de maio de 1987, quando recebi o batismo na Igreja: assim iniciou a minha história com Deus e com a Comunidade.

Os anos foram passando. Cresci. Ganhei juízo. Deixei a catequese. Revoltei-me com Deus. Namorei. Fiz bonitos planos de vida. E estava inquieto. Prometi a Deus casar-me e servir a Igreja como diácono permanente. E a inquietação continuava. Guardava tudo para mim; não queria ser gozado pela família, pelos amigos e colegas. Que iriam pensar se eu lhes dissesse que sentia a voz de Deus? E fugia dessa voz. Fugi por caminhos muito interessantes… mas não sentia a Paz.

Próximo de terminar o Ensino Secundário, e com o telemóvel na mão, enviei 1 sms ao meu Pároco: “é agora ou nunca!”. Em poucos dias já estava a visitar o Seminário Maior de Viseu e a passar uns dias por lá. O tempo começou a andar mais depressa. O coração já não era o mesmo. Ainda tinha de falar com os pais, com a irmã, com os avós, com os amigos. E falei.

Foram dias de ver lágrimas a cair de muitos rostos. Ninguém esperava isto. Nem eu.

Na Escola, muitos não acreditaram. Nem eu.

Foi tudo tão rápido! Tão forte!

Estava com os pés e o coração dentro do Seminário de Viseu. Mas, Deus é terrível! Ainda não tinha parado de me inquietar. Próximo do inicio do verão, a poucos meses de setembro (e da entrada no Seminário), recebo um contacto de um seminarista Passionista. Passionista? Que seita é essa?!

O jovem falou-me sobre a vida religiosa (da vida quê?), dos Passionistas e de alguns santos Passionistas. Falou-me de S. Gabriel de Nossa Senhora das Dores, com o qual identifiquei demasiados pontos em comum. E fui conhecer algumas casas Passionistas e religiosos desse Instituto. E, depois de 18 anos na minha terrinha, com os pais, irmã, avós e amigos por perto, entrei no Postulantado Passionista, a 270 kms de casa, onde me “dediquei” às filosofias e dei os primeiros passos na vida comunitária. Bons tempos.

Dois anos depois, já estava a dar uns toques no espanhol, em Espanha. Por lá andei um ano, no noviciado. tiagoveloso4Bons recuerdos que tenho de lá. Esse foi um período intenso de contacto com a Congregação Passionista, com a forma de vida, com a oração, com o estudo da história da vida religiosa e dos Passionistas… intenso contacto com a terra que foi trabalhada, onde a semente germinou. Falo da terra, mesmo terra e da horta que os noviços trabalhámos. Mas, falo também da semente que começou a germinar dentro de mim.

Após o intenso ano de noviciado, nas ventosas terras de Aragão, chegou o tal dia 7 de setembro de 2008. A Igreja Passionista de Barroselas estava cheia. Depois de um ano fora, reencontrava tantas caras conhecidas e desconhecidas. Tanta gente para rezar comigo e por mim, pela minha entrega ao Pai da Misericórdia.

Os três anos seguintes foram de estudo e de provas mais ou menos duras, mas que compensaram sempre. Em outubro de 2009, quase sem avisar, Deus chama a minha avó Maria.

Terminada a teologia, fui chamado para servir no Seminário Menor de Santa Maria da Feira e ajudar os mais novos a encontrarem-se com Deus e com os livros. Simultaneamente, o meu Superior pediu-me para estudar Direito Canónico em Salamanca. Assim fiz. Estávamos em setembro de 2011.

Poucas semanas depois, o mundo deixa de rodar para mim. O tempo para. Os sentimentos baralham-se. O silêncio invade-me. A voz perde-se. A minha mãe é operada, mas algo me diz que não vai ser como eu queria. Visito-a. Tenho quase a certeza que é a minha despedida. Ela adormece com a cabeça na minha mão. Está fraca. Não sei o que penso, não sei o que digo. 28 de novembro, toca o telefone: é a minha irmã. Ela não tem de dizer mais nada; nem eu tinha de atender para saber o que era.

O relógio começa a andar, muito depressa. Estou calmo, muito tranquilo. Sei que tudo está bem. Sei que ela está muito bem. Tenho uma certeza que está em Deus e em paz. As lágrimas passaram rápido. Só regressaram quando toquei nas mãos dela, durante a oração do terço. Senti, em todo o momento, a mão do Pai, a força do Espírito, o “faça-se” de Jesus e o “confia” de Maria. No meio da confusão de sentimentos, a Alegria esteve presente. Quase 5 anos depois, sinto muito a falta do seu telefonema nos anos, o seu abraço nas visitas ou o bolo de coca cola que ela tão bem fazia. Mas sei que ela continua comigo. Sei que herdei muito dela e que ela aparece muitas vezes, ainda hoje, em homilias, em visita aos doentes…

Em 2012 sou ordenado Diácono. No ano seguinte, a 20 de outubro, presbítero, padre, com 26 anos de idade.

Nesta missão de religioso Passionista e, simultaneamente, padre, vivo cada dia com alegria; com um sorriso, mesmo quando o dia está muito cinzento e o cansaço tenta deitar-me para o chão. Em Deus tento descansar, a Ele entrego cada dia, por Ele trabalho e sirvo.

Nos Passionistas, além de Pároco em Palhais/Santo António (Barreiro), tenho a missão de orientar a Juventude Passionista e a Pastoral Vocacional, o site Passionistas.pt e NoAlto.com e as redes sociais. No meio das imperfeições, lá aparece o Mestre a dar umas dicas.

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Nos poucos momentos livres, gosto e aprecio uns passeios pela montanha ou pela floresta. Aliás, tenho muitas saudades de Salamanca. Como as tardes eram para estudo, eu dedicava-me a explorar a paz das montanhas e dos rios de Castela e Leão (Espanha).

Não poderia concluir este texto sem referir um outro hobbie: o geocaching. Yes, também é possível um religioso/padre andar perdido em fábricas abandonadas, grutas cheias de morcegos, pontes em ruínas e a descer rios perigosos! À custa disso, encontro paraísos e bons motivos para louvar a Deus pela maravilhosa obra que nos confiou!

A terminar, convido-vos a um “Pai Nosso” pelos jovens que sentem que podem marcar a Igreja e o mundo, mas têm medo de avançar.

Padre Tiago Veloso
Missionário Passionista (Congregação da Paixão de Jesus Cristo)

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