Juventude Operária Católica

“Ainda se ouvem as vozes de Abril, e eis que já se aproximam as vozes de Maio”. Esta é uma frase antiga que se ouve repetidamente nesta altura. Mas será que as nossas vozes só se devem ouvir nestes meses? E os restantes do ano, não merecem que nos façamos ouvir?

Na verdade, estes são tempos em que a nossa persistência e confiança são colocadas à prova diariamente. Num tempo em que o mercado de trabalho se mostra tantas vezes selvagem e desmotivador pela falta de oportunidades que oferece, pela exigência de experiência de trabalho aos jovens que não a têm, nem conseguem adquirir, para alcançarem o seu 1º emprego, pela competitividade negativa entre colegas de trabalho que vivem em ambiente de desconfiança e onde falta sentir o espírito de equipa e de solidariedade, é essencial contrariarmos constantemente a noção, cada vez mais normalizada, de que o trabalho não é dignificante mas uma simples forma de sobrevivência.

O Papa Francisco apela-nos muitas vezes a “perseguir como prioritário o objetivo do acesso ao trabalho para todos ou da sua manutenção”, pois privar do trabalho é privar da dignidade. Contudo, a sociedade continua, apenas, a querer ver números e não a valorizar o verdadeiro significado do desemprego, as pessoas por detrás das estatísticas. Começamos, de forma geral, a encarar como natural que este exista, “haverá sempre desemprego” e não a arregaçar as mangas e a defender os direitos das pessoas, tal como é também nosso papel enquanto cristãos.

É preciso denunciar estas “normalidades” que nos vão corrompendo e que atentam contra os valores de Jesus Cristo:

– A não remuneração justa dos trabalhadores por parte da maioria das empresas portuguesas, de acordo com as suas responsabilidades e competências e discriminando de acordo com características subjetivas, que induz, muitas vezes, à necessidade do duplo emprego para fazer face às necessidades;

– A opção de ter recursos humanos abaixo das necessidades reais, levando a que os trabalhadores façam horas de trabalho excessivas, desrespeitando a liberdade, a dinâmica familiar e social e o direito conquistado das 8h de trabalho, 8h de lazer e 8h de descanso, usando como argumento a crise económica quando esta está, apenas, mascarada de crise de valores;

– O uso indevido dos estágios profissionais, tanto no sector privado como no sector público, como formas desvirtualizadas para se conseguir mão de obra, com formação qualificada, de forma barata e durante um período de tempo limitado, não permitindo aos jovens estagiários a sua continuidade no posto de trabalho. Esta atitude que cria uma enorme desmotivação e instabilidade aos jovens que, muitas vezes, conseguem o seu 1º emprego, criam expectativas e desenvolvem competências profissionais mas, após os meses de estágio ficam desempregados.

–  Os falsos recibos verdes que surgem como única forma de escape ao desemprego para inúmeros jovens. Tantos são os que trabalham por conta de outrem, de forma exclusiva muitas vezes, com horários definidos, e são pagos como trabalhadores independentes (o que os obriga a assumir os seus próprios descontos sociais, sem direito a férias ou subsídios), quando são, na verdade, trabalhadores por conta de outrem, que deveriam beneficiar de um contrato;

– O desrespeito tantas vezes conhecido pelo estatuto do trabalhador-estudante por parte das entidades patronais que desvalorizam o jovem que decide investir na sua formação e se tornar uma mais-valia para a empresa à qual se dedica;

– A desvalorização do associativismo e do serviço ao outro por muitas entidades empregadoras, que querem jovens trabalhadores que estejam disponíveis a ganhar um salário baixo e que tenham 100% do seu tempo disponível para a empresa, ao invés de reconhecerem as competências que são desenvolvidas pelos jovens que se envolvem a nível associativo, seja qual for a sua natureza.

Contudo, temos também que anunciar as conquistas onde reconhecemos sinais da presença de Deus:

– A maior sensibilidade à realidade do desemprego e à vida das pessoas desempregadas como sendo uma preocupação comum da sociedade e da Igreja;

– A perseverança e determinação de tantas pessoas que não ficam de braços cruzados e lutam para conseguir um emprego, sendo espelho de uma fonte de esperança que contagiam;

– Uma melhor gestão do dinheiro por parte das pessoas e das famílias por inerência das dificuldades sentidas diariamente;

– Os gestos de solidariedade para com quem mais precisa, a nível individual e das organizações, que conduziu a maior consciência do valor e da importância desta palavra nas nossas vidas;

– Tantas entidades e empresas que tentam criar postos de trabalho (recrutando colaboradores já antigos ou pessoas conhecidas nas comunidades onde estão)

– A partilha de oportunidades de emprego entre amigos e conhecidos, de forma desinteressada e genuína, formando uma verdadeira rede de apoio e suporte àqueles que procuram sair desta situação de desemprego.

Certamente, entre os dias, muitas são as vezes em que colocamos a nós próprios esta questão “Como vou encontrar o meu caminho? Como me vou tornar um jovem autónomo e realizado?” Talvez a resposta possa vir do testemunho de Jesus Cristo, dele próprio. Com tudo ao seu alcance, Jesus escolheu nascer no seio de uma família humilde, na periferia do Império Romano, onde cresceu. Jesus cresceu também como jovem trabalhador, na verdade. Talvez tenha sido um jovem como somos nós hoje.

Com certeza, foi um jovem trabalhador, juntamente com o seu pai carpinteiro, cheio de dúvidas e anseios, interpelações e indignações, face ao que via, vivia e sentia. Que condições de trabalho e de segurança teria? Trabalho precário, na certa. E que relação teria com os seus colegas de trabalho ou com outros jovens trabalhadores? Foi Ele, talvez, o primeiro a praticar a Revisão de Vida no seu meio e o acompanhamento no seu campo de ação! Na proximidade e na disponibilidade constantes estaria atento para Ver o que o rodeava, Aprofundar a realidade aos olhos de Deus e Agir para a transformar. Na verdade, se perante o nosso colega de trabalho formos capazes de ser testemunho de Jesus, jovem trabalhador, teremos, com certeza, sido motivo para que ele se sinta mais seguro e confiante, mais digno no seu local de trabalho e na sua vida!

Juventude Operária Católica

Share
Share